«(…) Os comendadores
eram cavaleiros que recebiam o direito de administração de uma vila, lugar ou
castelo do senhorio da Ordem com todas as suas rendas e direitos, a que se dá o
nome de Comenda. Na Ordem de Santiago,
as comendas eram entregues em Capítulo Geral, o que levou Paio Peres a
estabelecer em 1249 que só as
poderiam perder em reunião idêntica. No entanto, esta determinação foi
alterada, no sentido de certas infracções à Regra (não obediência ao mestre
e não seguimento deste em guerra, por exemplo) obrigarem à perda da
comenda. Em princípio, na Ordem de Calatrava, cada cavaleiro só poderia
usufruir dos rendimentos de uma única comenda, a não ser que fosse manifesto
que esta era insuficiente para seu sustento. Por morte do comendador, era ao
mestre que competia nomear um novo, que a partir desse momento ficava
responsável pela manutenção das propriedades dessa circunscrição territorial.
Se a comenda tivesse um priorado, o comendador era obrigado a manter o Prior e dar-lhe tudo o necessário. Também
era sua competência dispor de um lugar para acolher qualquer membro da Ordem
que estivesse de passagem ou viesse visitar as propriedades. Em Calatrava
existia ainda a dignidade de Sacristão,
cuja função pode ser comparada à do tesoureiro das Catedrais. Designado
pelo mestre, o sacristão seria
normalmente um freire clérigo que tinha como obrigação guardar as relíquias, o
ouro e prata e os ornamentos dedicados ao culto divino. Outros freires clérigos
eram escolhidos pelo mestre calatravenho
para desempenhar as funções de Priores em Igrejas do senhorio da Ordem. Os Conventos de Calatrava e de Avis
conheciam igualmente os cargos de Celeireiro,
Ecónomo, Enfermeiro, Mordomo, Vestiário, Escrivão, etc., cujas funções são as que o seu nome naturalmente
sugere. É possível que os principais núcleos de Santiago incluíssem também na
sua organização estes e outros cargos, mas a documentação conservada é, a este
respeito, totalmente omissa.
Cistercienses umas,
agostinhas outras, as estruturas das ordens militares tinham mais pontos comuns
que diferenças, o que se compreende: todas se regiam por Regras de Ordens
religiosas adaptadas a leigos com um tipo de vida próprio. Nascidas ou
implantadas num contexto de luta contra o Infiel, no Ultramar ou na Península
Ibérica, os reis viram nelas preciosos auxiliares na conquista e manutenção das
praças conquistadas. Por essa razão, foram recompensando com doações a sua
actividade, sem no entanto lhes deixar de recordar que a sua finalidade (isto
é, a sua razão de ser) era servir os interesses régio, então e em tempos
futuros. E se, por um lado, e no que toca ao território português, esse desafio
terá sido cumprido, por outro os ideais que estiveram na base da fundação das
milícias e os costumes rigorosos relacionados com a vida religiosa dos freires
desapareceram, alterando-as de tal maneira que dificilmente as podemos
identificar com as instituições que, de uma forma genérica, acabámos de
descrever.
A Ordem de Avis na Idade Média (contexto histórico)
As Ordens Militares
As ordens militares
nascidas na civilização ocidental medieval são, antes de mais, uma resposta
encontrada pela Igreja e pela sociedade do século XII para o(s) problema(s)
levantado(s) pela guerra contra o Infiel, cuja justificação se procurava dar
através de um amplo movimento de paz
que, em última análise, se situa na sequência de outras tentativas em séculos anteriores,
como a Trégua e a Paz de Deus. É necessário, contudo,
distinguir as Ordens que foram fundadas com o objectivo de defesa e protecção
de Peregrinos e estabelecimentos a
eles destinados, por um lado, e as que visavam, à partida, a luta contra o
Infiel, por outro. No primeiro caso estão as Ordens palestinianas, de que as
mais conhecidas são as do Templo e de S. João do Hospital de Jerusalém,
e, no segundo, as nascidas na Península Ibérica no contexto da Reconquista (Ordem de Calatrava,
Ordem de Santiago, entre outras). A justificação teórica da existência destas
instituições foi dada por S. Bernardo a pedido do fundador da Ordem do Templo:
a sua obra Liber de Laude Novae
Militiae ad Milites Templi aponta para a possibilidade de conciliar
a vida monástica com o exercício militar. Ao utilizar o termo militia, S. Bernardo pretendia
dizer que os membros que a ela pertencessem, os miles ou milites Christi, eram homens que tinham
associado os votos de pobreza, castidade e obediência, a mortificação do corpo
e outras atitudes semelhantes, à luta física contra os Infiéis. Assim, S.
Bernardo criticava os cavaleiros que se dedicavam à guerra apenas pelo prazer
ou lucro que ela lhes proporcionava, ao mesmo tempo que exaltava quantos
combatiam o diabo com armas
espirituais e temporais.
No entanto, dentro da
própria Ordem de Cister, alguns homens, pacifistas avant la lettre,
se assim os podemos chamar, se insurgiam contra a criação das Ordens Militares.
Um exemplo é Isaac de L'Étoile, abade cisterciense, que, a propósito de
Calatrava, condenava quantos procuravam expoliar e massacrar em nome de Cristo
os que não professavam a sua fé. No caso concreto das Ordens Militares que
nasceram na Península Ibérica, foi de primordial importância a pregação feita
por alguns monges de Claraval que exortavam à guerra contra os
Muçulmanos. Este espírito, associado ao das Cruzadas que então se vivia com
especial intensidade no Ocidente Europeu, fez surgir vários grupos de
cavaleiros que procuravam associar uma prática de vida ascética com a defesa,
pelo uso das armas, da sociedade cristã. Na Península Ibérica, estes homens
reunidos em pequenas confrarias, protegidas pelos monarcas peninsulares, viviam
em conventos-fortalezas, que, mais tarde, se vieram a transformar em centros de
algumas Ordens Militares». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de
Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.
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