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Os Apetites e as Emoções
As Emoções Precedem os Sentimentos
«(…) O que me lembra James Joyce, quando diz em Ulisses: Shakespeare é a coutada feliz de todos
os espíritos que perderam o seu equilíbrio. Chegados aqui, é altura de
perguntar: porque é que as emoções precedem
os sentimentos? A minha resposta é simples: temos emoções primeiro e
sentimentos depois porque, na evolução biológica, as emoções vieram primeiro e
os sentimentos depois. As emoções foram construídas a partir de reacções
simples que promovem a sobrevida de um organismo e que foram facilmente adoptadas
pela evolução. Tem-se a impressão de que os deuses deram grande esperteza natural
às criaturas que queriam salvar. Com efeito, muito antes dos seres vivos terem
uma inteligência criadora e ainda antes de terem cérebros propriamente ditos, é
como se a natureza tivesse decidido que a vida era, ao mesmo tempo, extremamente
precária e extremamente preciosa. É claro que sabemos que a natureza não funciona
de acordo com os planos de nenhum arquitecto e não decide como os artistas ou
engenheiros decidem, mas talvez a metáfora nos ajude. Todos os organismos
vivos, desde a humilde amiba até ao ser humano, nascem com dispositivos que
solucionam automaticamente,
sem qualquer raciocínio prévio, os problemas básicos da vida. Esses problemas
são os seguintes:
- encontrar fontes de energia;
- incorporar e transformar energia;
- manter, no interior do organismo, um equilíbrio químico comparável com a vida;
- substituir os sub-componentes que envelhecem e morrem de forma a manter a estrutura do organismo;
- defender o organismo de processos de doença e de lesão física.
A palavra homeostasia descreve este conjunto de processos de
regulação e, ao mesmo tempo, o resultante estado de vida bem regulada. No curso
da evolução biológica, o equipamento inato e automático do governo da vida, a
máquina homeostática, tornou-se muito sofisticado. Na base da organização
da homeostasia encontramos respostas simples, tais como a de aproximação
(approach) ou de retraimento (withdrawal) de
um organismo inteiro ern relação a um determinado objecto; ou a de excitação
ou quiescência.
Nos níveis mais altos da organização encontramos respostas competitivas ou de cooperatividade.
Podemos imaginar a máquina da homeostasia como uma árvore bem alta e larga em que
os variados ramos são os fenómenos automáticos da regulação da vida. Em
organismos multicelulares, caminhando do chão para o topo, eis o que devemos
encontrar neste árvore.
Nos Ramos Mais Baixos
O processo de metabolismo.
Este processo inclui componentes químicos e mecânicos (por exemplo, secreções endócrinas/hormonais;
contracções musculares relacionadas com a digestão) que mantêm o equilíbrio
químico interior. Estas reacções governam o ritmo cardíaco e a pressão
arterial, dos quais depende a distribuição apropriada do fluxo sanguíneo no
corpo; os ajustamentos da acidez e da alcalinidade do meio interior (os fluidos
que circulam no sangue e nos espaços entre as células); e o armazenamento e
distribuição de proteínas, lípidos e hidratos de carbono, necessários para abastecer
o organismo de energia, que, por sua vez, é necessária para o movimento, para a
manufactura de enzimas e para o manter e renovar da estrutura do organismo.
Os reflexos
básicos. Incluem o reflexo de startle (reflexo de alarme ou susto) que os
organismos exibem quando reagem a um ruído inesperado, e os tropismos ou taxes,
que levam os organismos a escolher a luz e não o escuro, ou a evitar o frio e o
calor extremos.
O sistema imunitário.
É um sistema que defende o organismo de vírus, de bactérias, de parasitas e de
moléculas tóxicas que o podem invadir do exterior. Curiosamente, o sistema
imunitário também está preparado para manejar moléculas que normalmente residem
em células saudáveis do organismo e que se podem tornar tóxicas quando as células
doentes ou mortas as libertam no meio interior (por exemplo, o ácido glutâmico
e o ácido hianorónico). Em suma, o sistema imunitário constitui uma primeira
linha de defesa dos organismos vertebrados quando a sua integridade é ameaçada,
quer do exterior quer do interior».
In António
Damásio, Ao Encontro de Espinosa, As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, Publicações Europa-América, Fórum da Ciência,
2003, ISBN:
972-1-05229-9.
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