domingo, 30 de março de 2014

História do Romantismo em Portugal. Ideia geral do Romantismo. Garrett, Herculano, Castilho. Teófilo Braga. «A verdade existe quando a theoria condiz com o facto; efectivamente a Allemanha recebeu da Inglaterra o primeiro impulso para a renovação litteraria que se propagou aos povos do meio dia»

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NOTA: Conforme o original

Ideia Geral do Romantismo
Como a Europa se Esqueceu da Edade Media
«(…) A Itália, tornada a sede da erudição, venceu muitas vezes a corrente deletéria, pelo encyclopedismo dos seus grandes  génios que presentiram e aspiraram a unidade nacional; a pintura, como não teve que imitar da antiguidade, attingiu logo no século XV a máxima perfeição; a musica, procurando os modos gregos, e querendo harmonisar-se com a tradição gregoriana da egreja, jazeu embryonaria até ao século XVIII. A Hespanha, perdeu a creação do seu Romanceiro, já extincta no século XV; os poetas traduziram e imitaram a antiguidade, como Santilhana ou Vilhena, mas o theatro foi original, não só porque sob a pressão catholica era o único órgão da opinião publica, mas porque se baseava sob o fundo tradicional e histórico da nacionalidade. Portugal nunca dera forma ás tradições, que possuia; a sua litteratura, como o notou Wolf, teve de imitar sempre, attingindo por isso uma prioridade de quem não elabora, e uma perfeição de quem só reproduz mechanicamente; em vista d'este caracter o Romantismo só podia apparecer n'este paiz, quando elle estivesse auctorisado, e se admittisse como imitação. Logicamente foi Portugal o ultimo paiz onde penetrou o Romantismo. Por uma connexão evolutiva profunda, em todos os paizes onde se estava operando uma nova ordem na forma politica, seguiu-se egualmente essa crise litteraria, que fazia com que se procurasse reflectir a expressão ou caracter nacional nas creações da litteratura. Por isso durante as luctas do Romantismo, muitas vezes os partidários dos novos princípios litterarios foram acusados de perturbadores da ordem publica, como em França, e até assassinados como demagogos pelo despotismo na Itália.

Marcha da Renascença Românica
Competia á Allemanha, que iniciara com a Reforma a liberdade de consciência, completar a obra proclamando a liberdade do sentimento. O movimento do Romantismo partiu da Allemanha, porque era a nação que pelos seus hábitos philosophicos mais depressa podia chegar á verdade de uma concepção racional, e porque os thesouros das suas tradições, apesar, dos séculos que se immolou ao catholicismo, eram por tal forma ainda ricos, que ao primeiro trabalho de Graaf, reconstituiu-se a velha lingua allemã, pelo trabalho de Jacob Grimm, a mythologia e o symbolismo germânico, pelo trabalho de Guilherme Grimm e Lachmann, as Epopêas da Allemanha, a ponto de um Stein levar o espirito nacional para a independência, e Bismarck aproveitar esta mesma corrente da renovação das tradições e fundir todas as confederações em uma absurda unificação imperial. Depois da Allemanha, era á Inglaterra, pelas condições de independência civil e politica provenientes das suas instituições, que se podia ir procurar o segredo da originalidade litteraria. Pela justa coexistência entre uma aristocracia territorial e as classes industriaes, a realesa não pôde usar as forças sociaes segundo o seu arbitrio; a crise religiosa provocada por Henrique XVIII, e a revolução politica de Cromwel, foram dois dos maiores impulsos para a dissolução do regimen catholico-feudal. Uma sociedade trabalhada pelas emoções de tão importantes movimentos, não podia deixar de se inspirar da sua actividade orgânica; os escriptos de um Shakespeare, de Ben-Jonhson, de Marlow, de De Foë, de Fielding, de Swift, de Richardson, têm todos os caracteres da litteratura moderna: a vida subjectiva da consciência individual aproximada da generalidade humana, os interesses e situações de uma vida social que se funda em deveres domésticos ou de familia. Os romances de Walter Scott serão sempre bellos e um grande documento para extremar as litteraturas modernas das antigas, em que a vida publica era o objecto da idealisação artística; por esta clara concepção de Gomte, é que entendemos que a palavra Romantismo exprime cabalmente o facto da renovação das litteraturas da Europa no principio d'este século. A verdade existe quando a theoria condiz com o facto; efectivamente a Allemanha recebeu da Inglaterra o primeiro impulso para a renovação litteraria que se propagou aos povos do meio dia.
Temos até aqui mostrado como a Europa perdeu o conhecimento das suas relações com a Edade media, e quaes os povos que estavam em condições mais favoráveis para as descobrir. Falta ainda seguir o trabalho d'essa renovação; é a esta parte que chamaremos causas do Romantismo. Desde o começo este século assignalou-se por um novo critério histórico; a erudição quebrou as estreitas faixas em que a envolveram os commentadores das obras da antiguidade, e exerceu-se sobre as instituições da Edade media. O christianismo, tido até ali como único mediador da civilisação, teve de ceder a maior parte de seus titulos ao fecundo elemento germânico modificado pela civilisação greco-romana. Diez cria a grammatica geral das linguas românicas, e assim se descobre a unidade dos povos românicos. Desde que Kant enceta a renovação philosophica, o problema da esthetica, ou philosophia da arte, nunca mais foi abandonado; por seu turno Fichte, Schelling e Hegel levam á altura de sciencia a critica das creações sentimentaes. A estas duas causas, accresce o dar-se em quasi todos os povos da Europa, em consequência da revolução franceza, uma aspiração nacional em virtude da qual a realesa despotica teve de acceitar as cartas constitucionaes: ou também, no periodo das insensatas invasões napoleónicas, os povos tiveram de resistir pela defensiva, reconhecendo assim pelo seu esforço o gráo de vida da nacionalidade. As litteraturas tiveram aqui um ensejo para se tornarem uma expressão viva do tempo. Sciencia complexa, como todas as que analysam e se fundam sobre factos passados dentro da sociedade e provocados por ella, a historia litteraria só podia ser creada em uma época em que o homem dotado de faculdades menos inventivas, está comtudo fortalecido com o poder de observar-se e de conhecer o gráo de consciência ou de fatalidade que teve nos seus actos». In Teófilo Braga, História do Romantismo em Portugal, Ideia geral do Romantismo, Garrett, Herculano, Castilho, Nova Livraria Internacional, Imprensa Sousa Neves, Lisboa, 1880.

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