NOTA: Texto na versão original.
A Infanta D. Maria
«(…) Posteriormente aceitou a homenagem de diversos
escriptores de Portugal, Hespanha e França, em latim e vernaculo. Que maravilha
se ambicionava illustrar tambem sua filhinha, segundo o gosto e as exigencias
da epoca, de modo que sem desdouro do nome português e castelhano, podesse luzir em qualquer throno da
Europa? Que maravilha se, velando de longe pela sua felicidade, desejou
vestir-lhe ricamente a alma, augurando- que no convivio com as musas
encontraria uma consolação ideal ás mil decepções moraes que a vida não poupa a
ninguém, nem mesmo ás princesas?
Na fé de que ao cabo de breve prazo a Infanta viria, como esposa do Dauphin,
residir na côrte culta e galante de Francisco I onde brilhava Margarida de
Navarra, não só pediu e aconselhou, mas ordenou repetidas vezes que aprendesse
o latim, e tentasse afeiçoar-se ás letras.
Assim o lemos numa carta que D. Maria escreveu á mãe, quando vencidas as longas agruras da
iniciação, começava a avaliar com lucidez o serviço que lhe haviam prestado,
occupando-a, interessando-a, ampliando o seu horizonte, acostumando-a a
raciocinar e a trabalhar. A principio o estudo lhe fôra penoso. –Frequentemente
havia desanimado, em briga com os rudimentos enfadonhos da grammatica, necque
laboriosa illa grammaticae fastidia aequo animo ferre non poteram. Mas
pouco a pouco, o santo desejo de saber invadiu-a. Conseguiu deleitar-se de
veras no trato dos livros, realizando assim a predicção de D. Leonor quod
ea res maximam olim mihi voluptatis esset allatura et ornamenti non parum.
Se á mãe parecesse bem o estylo da missivazinha,
a ella, só a ella, eram devidos louvores. Se, porém, descobrisse defeitos, a Infanta
diligenciaria aperfeiçoar-se mais e mais no conhecimento do idioma classico. O
estylo é juvenil, de graciosa simplicidade e elegancia. Tentando adivinhar
aproximadamente a data de que carece na obra de onde, á falta do original, a
copio, calculo, seria escripta entre 1535 e 1537, quando a Infanta
contava quinze annos.
Além d'essa amostra conheço apenas mais uma da sua dicção latina,
curiosa sob mais de um aspecto. É dirigida a uma soberana estrangeira, cujo
perfil já desenhei: Maria Tudor, a bloody Mary, flagello da Inglaterra
protestante. A filha de Henrique VIII, subindo ao throno (6 de Julho de 1553),
tivera de suffocar uma revolta a favor de Jane Grey, e mandára dggolar o duque
de Northumberland que a capitaneava. Felicitando a sua parenta e amiga por ter
sahido incolume d'este attentado contra os seus direitos, a Infanta emprega
expressões exuberantes de amizade. Não existe quem mais lamente os desgostos da
Rainha ou quem mais regozije com a sua prosperidade. As cartas d'ella proporcionam-lhe
prazer tal que as agasalha no seio, as acaricia e repete sempre de novo a
leitura. Pede resposta rapida, pela qual anceia». In Carolina Michaelis de Vasconcelos, (1851-1925), Infanta D.
Maria de Portugal (1521-1577) e as suas Damas, edição fac-similada, Enclave de
Reabilitação Profissional da Biblioteca Nacional, Lisboa, 1994, ISBN
972-565-198-7.
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