Uma família real vassala dos de França
«(…) Durante o período em que estivera em França, Roger Mortimer,
contra a vontade de Edward II, combinara o casamento do jovem Edward com uma das
filhas do conde Wilhelm de Hainautl, Philippa, com quem aquele viria a
casar em 1328. Foi assim aos 17
anos, já com casa constituída e pai de um herdeiro varão, primogénito e homónimo,
que o titular da coroa de Inglaterra, depois de enfrentar, prender e mandar
executar o conde da Marca e de afastar a mãe da corte, assumiu finalmente o
poder. Para trás parecia ter deixado já uma outra aspiração, na qual, apesar de
tudo, não fizera na altura um grande investimento. É que em 1328 a morte do tio Charles IV irmão da
mãe, tinha deixado o poderoso reino de França sem descendência directa, ditando
o fim da antiga dinastia reinante dos Capetos. Como candidatos
masculinos mais próximos em termos familiares estavam precisamente Edward III
de Inglaterra, cuja mãe, como dissemos, era irmã do rei defunto, e Philippe de
Valois, conde de Anjou, Maine e Valois, primo destes. Já em situações
anteriores, os juristas da corte francesa tinham ido buscar à vetusta Lei Sálica franca os
princípios legais consuetudinários que afastavam as candidatas femininas da
sucessão patrimonial e honorífica. Agora acentuavam, com base nos mesmos
pressupostos, que se as mulheres não estavam autorizadas a herdar e a
desempenhar cargos também não podiam ser transmissoras dos mesmos aos seus
descendentes. Deste modo, Edward III de Inglaterra ficava impedido de assumir a
função régia em França, pois só por via feminina, através da mãe, tinha
direito a ela. A decisão legal francesa não foi porém aceite pelos Ingleses sem
resistência. Edward ainda terá tentado viajar para Paris para se apresentar
como pretendente ao trono mas, ao que parece, desistiu dos intentos sem ter
chegado a um conflito aberto com o novo rei Philippe VI, apesar de ter
apresentado um protesto formal ao saber que este fora apressadamente proclamado
rei numa assembleia de nobres franceses.
Philippe VI decidiu contudo afrontar Edward III. Em 1330 insistiu em receber pessoalmente
vassalagem lígia da parte do rei de Inglaterra, por causa do ducado da
Aquitânia; Edward III aquiesceu e com esse gesto pareceu ter abandonado de vez
os seus projectos franceses. Mas a verdade é que as provocações por parte do
seu rival continuaram. Em termos militares, um dos problemas mais graves com
que o rei inglês se defrontava respeitava aos direitos de suserania que,
tradicionalmente, os monarcas de Inglaterra possuíam sobre a Escócia. Roger
Mortimer tinha a eles renunciado, em nome de Edward III, pelo Tratado de Northampton de 1328. No entanto, o Parlamento não
ratificara a decisão. Por esse mesmo tratado fora estabelecido o casamento de
uma princesa plantageneta, Joan, irmã do rei David II, monarca
escocês. Não se tendo, porém, com estas medidas evitado a continuação das
hostilidades, em 1334 Edward III foi
surpreendido com o desembarque dos monarcas escoceses em França, procurando o
apoio de Philippe VI.
A tal desafio Edward III respondera com a organização de uma campanha
militar na Escócia para a qual recebeu o apoio de um cunhado vindo da Alemanha
e de outros nobres provenientes da zona dos Países Baixos. Apesar de se tratar
de uma guerra feudal, o conflito parecia generalizar-se e organizar-se em duas
frentes. Esperava-se, a todo o momento, uma invasão da Grã-Bretanha pelos
Franceses apoiando os seus aliados escoceses. A intervenção do papa, porém,
parece ter sido determinante para que não se tivesse dado nesse momento uma
escalada bélica entre as duas grandes potências medievais. Mas Philippe VI de
França continuava a buscar argumentos para um confronto com Edward III de
Inglaterra. A 24 de Maio de 1337
declarou que o contrato de vassalagem que os unia pelo senhorio da Aquitânia
não estava a ser cumprido. De facto, o ducado estava rodeado de feudatários do rei
de França que tentavam intervir activamente nas actividades dos seus habitantes
que, ligados na sua maior parte à produção e exportação de vinho e de outros
produtos regionais, prezavam bastante a sua especial ligação a Inglaterra.
Sucediam-se, assim, os conflitos fronteiriços e as rebeliões contra as autoridades
francesas. Edward III não estava, porém, disposto a permitir que o seu último e
próspero reduto francês lhe fosse expropriado desta vez. Utilizando como mensageiro
Henry Burghersh, bispo de Lincoln, enviou a Philippe VI uma carta, que
lhe chegou nos finais de Outubro de 1337,
dirigindo-se-lhe como Philippe de
Valois, que se chama a si próprio rei de França, renunciando ao
contrato de vassalagem que os unia e declarando novamente a sua pretensão ao
trono francês.
Não perdera tempo. Na altura em que escrevera a missiva ao seu adversário
já, tinha estabelecido o quartel-general no continente, em Antuérpia, na Flandres,
para onde se tinha mudado com quase toda a sua família, à excepsão do filho
primogénito e herdeiro da coroa de Inglaterra, Edward, que contava 7 anos,
como se impunha a quem vinha tomar posse de um território que considerava seu
de direito. Encetara também já negociações com o imperador alemão, Ludwig,
que o nomeara seu delegado para os feudos imperiais situados fora da Alemanha.
Ou seja, Edward III ganhava assim autoridade para convocar em seu auxílio todos
os senhores dos Países Baixos e também os condes da Borgonha e da Saboia,
alguns deles favoráveis, porém, ao rei de França. Em 8 de Fevereiro de 1340, apesar de todas as dificuldades
enfrentadas, o pretendente inglês sentia-se ainda suficientemente motivado para
enviar ao adversário de Paris um novo selo com que identificava agora as suas
missivas. Nele, as armas de França, a flor-de-lis, ocupavam pela primeira vez o
canto superior direito, em lugar proeminente relativamente às de Inglaterra.
Simultaneamente, enviava uma declaração aos Franceses: pedia-lhes que, seguindo o exemplo dos Flamengos, de cujas cidades
recebera apoio, o aceitassem como rei». In Manuela Santos Silva, A Rainha
Inglesa de Portugal, Filipa de Lencastre, Círculo de Leitores, 2012, ISBN
978-972-42-4707-6.
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