«(…) Algumas imagens são tão
familiares que nunca são bem olhadas, ainda que se ofereçam ao olhar do
espectador abertas a um exame mais detido, mas num plano mais profundo e cheio
de sentido, seguindo como livros fechados. Assim ocorre com a Última Ceia de
Leonardo… ainda que pareça mentira, como quase todas as outras obras dele que
tem chegado até nós. Foi a obra de Leonardo
(1452-1519),
esse génio atormentado do Renascimento italiano, a que nos colocou na trilha
que acabou por levar-nos a uns descobrimentos tão estarrecedores quanto a suas
consequências, que a princípio nos parecia impossível que eles tivessem passado
desapercebidos por gerações inteiras de estudiosos, o que finalmente ressaltou
diante de nosso olhar surpreendido, e incrível que uma informação tão explosiva
tivesse permanecido por tanto tempo esperando pacientemente ser descoberta por
uns autores como nós, alheios às escolas oficiais da investigação histórica ou
religiosa. É assim que vamos seguir a história refazendo seus passos contados e
voltarmos a Última Ceia para a olhamos com outros olhos. Não é o momento agora
para nos situarmos no contexto conhecido dos postulados da História da arte.
Queríamos vê-la como a veria um recém chegado completamente ignorante dessa
imagem tão arqui-conhecida. Que as escamas dos conceitos prévios caiam de
nossos olhos e que olhemos a verdade, como se fosse a primeira vez em nossa
vida. O personagem central, pelo suposto, é Jesus, a quem Leonardo menciona sob o nome de Redentor
nas suas notas de trabalho [mas que o leitor seja advertido que não deve ter
nada por sabido, por mais óbvio que pareça]. Está em atitude contemplativa e
olha para baixo e um pouco para sua esquerda, as mãos estendidas na frente
sobre a mesa, como se oferecesse algo ao espectador. Como esta é a Última Ceia
em que, segundo nos ensina o Novo Testamento, Jesus instituiu o sacramento do
pão e vinho, no qual convida os seus seguidores que comam e bebam dizendo que
são a sua carne e o seu sangue, seria razoável buscar algum cálice ou taça de
vinho diante dele, concluindo o oferecimento.
Afinal, para os cristãos, esta cena
antecede imediatamente a paixão de Jesus no horto de Getsemani, onde ele reza
com fervor pedindo que afaste de mim este
cálice [outra alusão ao paralelismo vinho-sangue] e também à sua
crucificação, na qual morreu derramando seu sangue pela redenção da humanidade.
Porque não há vinho diante de Jesus, e apenas quantidades simbólicas em toda a
mesa. Acaso têm razão os artistas que dizem ser um gesto vazio este das mãos abertas? Visto que apenas há
vinho, talvez não seja casualidade que tampouco se tenham partido muito poucos
dos pães que vemos sobre a mesa. E já que o próprio Jesus identificou o pão com
seu próprio corpo que seria partido no supremo sacrifício. Está se comunicando
alguma mensagem subtil quanto a verdadeira
natureza dos padecimentos de Jesus? Ele olha contemplativamente para
baixo e ligeiramente à sua esquerda, as mãos abertas na mesa diante dele como
se apresentando alguma dádiva ao espectador. Como nesta Última Ceia na qual
assim nos diz o Novo Testamento, Jesus iniciou o sacramento do pão e do vinho
urgindo que seus seguidores partilhassem deles como sua carne e sangue; pode-se razoavelmente esperar algum cálice ou taça
colocado diante dele, a ser abarcado pelo seu gesto. Afinal, para os cristãos
esta refeição imediatamente antes da paixão de Jesus no Jardim de Getsemani
quando ele ferventemente orou que afaste
de mim este cálice, uma outra alusão a imagem do sangue-vinho e também
antes de sua morte pela crucificação quando seu sangue sagrado foi derramado em
benefício de toda humanidade. Ainda que não haja vinho em frente de Jesus [e
uma mera quantidade simbólica na mesa inteira]. Pode estarem estas mãos
estendidas fazendo, segundo artistas, um
gesto essencialmente vazio? À luz da falta do vinho talvez não seja
acidente que de todo pão na mesa muito pouco esteja partido. Como o próprio
Jesus identificou o pão como seu próprio corpo que era para ser quebrado no
supremo sacrifício, está alguma mensagem subtil sendo transmitida sobre a verdadeira natureza do sofrimento de
Jesus?
Isto todavia é a mera ponta do iceberg da não ortodoxia apresentada
nesta pintura. Na narrativa bíblica é o jovem São João, conhecido como Amado do Senhor que estava fisicamente
tão perto de Jesus que nesta ocasião inclinou-se em seu peito. Ainda que a
representação de Leonardo desta jovem pessoa, não seja, como requerido nas direcções
bíblicas, tão reclinadas, mas invés se incline exageradamente para longe do
Redentor, a cabeça quase que coquetemente
inclinada para a direita. Até mesmo quando diga respeito a este carácter, para
os recém chegados a pintura pode ser perdoada por conter curiosas incertezas
sobre o chamado São João. Enquanto seja verdadeiro que as próprias predilecções
do artista tendessem a representar o epitomo da beleza masculina como algo de
certa forma afeminado, certamente esta é uma figura feminina que vemos. Tudo
sobre ele é surpreendentemente
feminino. Tão velho e deteriorado quanto possa ser o fresco, pode-se ainda ver
as pequeninas e graciosas mãos, as caraterísticas belas e delicadas do
semblante, o peito distintamente feminino e o colar de ouro. Esta mulher,
porque certamente é uma mulher, também está usando uma indumentária que a marca
como sendo especial. Ela é a imagem em espelho da indumentária do Redentor.
Onde um veste um robe azul e um manto vermelho, o outro veste um robe vermelho
com um manto azul, em estilo idêntico. Ninguém mais na mesa veste roupas que
espelhem aquelas de Jesus deste modo. Central em toda composição está a forma
que Jesus e esta mulher fazem juntos; um M
gigantesco quase como se eles estivessem literalmente unidos pela cadeira mas
tivessem sofrido uma separação ou até mesmo se separado. A nosso conhecimento
nenhum académico tem se referido a este carácter feminino como algo mais que
São João e a forma do M também tem
passado desapercebida por eles.
Leonardo foi, como descobrimos nas nossas pesquisas, um excelente
psicólogo que se divertia em apresentar aos patronos que tinham dado a ele
comissões religiosas o padrão com imagens altamente não ortodoxas, sabendo que
as pessoas veriam a mais perplexante heresia com equanimidade porque elas
geralmente apenas veriam o que esperavam ver». In Lynn Picknet e Clive Prince, A
Revelação dos Templários, Narrativa, Editora Planeta, 2006, ISBN 857-6651-75-0.
Cortesia de Planeta/JDACT