História do ministro do Centro Takafuji
«(…) O rapaz continuou deitado durante algum tempo, a descansar.
Depois, a porta de correr que dava para o quarto contíguo abriu-se e ele viu
entrar uma rapariga de uns treze ou catorze anos, envergando uma túnica cor de
malva por cima de umas calças largas, de um vermelho-vivo. Numa das mãos trazia
um leque que lhe cobria o rosto, e na outra, uma bandeja de pé alto. Hesitante
e tímida, parou longe dele. Aproxima-te,
disse-lhe o rapaz. Ela aproximou-se devagar, sobre os joelhos. Com aqueles
traços delicados e os cabelos separados sobre a testa a caírem-lhe
deliciosamente sobre os ombros, ninguém diria que era filha de um camponês. Que bela era! Pousou a bandeja de pé
alto no chão, colocou os pauzinhos no seu lugar, empurrou-a para junto do
hóspede, e desapareceu. Vista de costas, a cascata longa e ondulante dos
cabelos parecia chegar-lhe à cova dos joelhos. Uns instantes depois, estava de
regresso, trazendo vários pratos com comida. Era ainda uma criança; não sabia
servir bem, limitava-se a colocar os pratos no chão e recuava logo, sempre de
joelhos.
Tinha trazido arroz estaladiço, nabos pequenos, búzios, carne seca e
outras coisas mais. Depois daquele longo dia de caça, o rapaz estava esfomeado
e devorou tudo sem pensar em queixar-se daquela ementa de gente pobre. Serviram-lhe
saké,
que também não recusou, e, como a noite já ia alta, preparou-se para dormir.
Mas a rapariga que acabava de o servir não lhe saía do pensamento. Não é lá muito tranquilizador dormir
sozinho. Não querereis vir fazer-me companhia?, chamou ele baixinho, e
ela apareceu. Vem cá!,
disse-lhe ele, atraindo-a para os seus braços. Ao vê-la abraçada a si, achou-a ainda
mais bela e mais encantadora. Ficou perturbado; com toda a sinceridade do seu
coração de rapaz, prometeu-lhe que nunca deixaria de a amar, e a longa noite de
Outono foi ainda mais longa e mais terna. Não dormiu um só instante, todo entregue
ao seu amor. A rapariga revelava tal nobreza de modos que, maravilhado,
Takafuji amou-a loucamente até de manhã. Aos primeiros alvores da madrugada,
levantou-se. Tenho de me ir embora,
disse-lhe, mas fica com isto, para te
lembrares de mim, e deu-lhe a espada que levava à cintura. Quando os teus pais, que ignoram o nosso
amor, quiserem casar-te, não aceites ser mulher de outro!, acrescentou
ele, deixando-a com grande mágoa.
Ainda não tinha percorrido a cavalo mais de quatro ou cinco chô (cerca de quinhentos metros),
quando os do seu séquito surgiram de todos os lados, intrigados por o encontrarem
ali e, ao mesmo tempo, aliviados. Regressaram juntos à capital. O Guarda seu
pai, que sabia que o jovem senhor partira na véspera para a caça e não o vira
chegar, passara a noite a pensar no que lhe poderia ter acontecido. Louco de
angústia, aos primeiros alvores da madrugada, enviara alguns homens à sua
procura, e agora via-o regressar com eles! Deu largas à sua alegria, mas depois
repreendeu o filho: Esse entusiasmo
pela falcoaria é coisa da tua idade. Quando eu era novo, também gostava de andar
pelo mato com os meus falcões, e o meu falecido pai deixava. Já fiz o que tu
fizeste, mas, depois do que acaba de acontecer, fico muito inquieto. A partir
de hoje, enquanto não tiveres juízo, proíbo-te de ir à caça! E foi
assim que o rapaz teve de desistir da caça. Os escudeiros que o tinham
acompanhado naquele dia não tinham visto a casa. Nenhum deles a conhecia. O
palafreneiro era o único que sabia onde ela ficava, mas tinha sido despedido e
voltara para o campo. Ninguém podia ajudá-lo e o jovem senhor morria de
saudades da rapariga e não tinha meio de lhe fazer chegar uma mensagem. Os dias
e os meses iam passando e o seu amor ia aumentando; estava inconsolável. E
assim passaram quatro ou cinco anos.
Um dia, o Guarda, seu pai, morreu ainda jovem. Takafuji ficou a cargo
de uns nobres que eram seus tios e foi viver com eles. Um desses tios, o ministro
da Direita Yoshifusa, reparou no seu belo porte e na nobreza do seu
carácter, percebeu que ele viria a ser um homem de grande valor e tratou-o com
mil e um cuidados; todavia, após a morte do pai, o rapaz andava sempre melancólico
e só pensava na tal mulher, e o seu coração trasbordava de amor por ela. Passou
mais um ano, e ele continuava a não querer casar-se. Ora, um dia, ouviu dizer
que o escudeiro que o tinha acompanhado regressara do campo. Mandou-o chamar e,
como se fosse pedir-lhe para o pentear, fez-lhe sinal para se aproximar: Lembras-te daquela casa onde nos
abrigámos da chuva, naquele dia em que fomos à caça?, perguntou-lhe. Claro que me lembro!, respondeu o
escudeiro, para grande alegria do jovem senhor. Pois bem, gostava de 1á ir hoje. Diremos que vamos à caça. Mas não
te esqueças do que eu quero!, disse-lhe ele. Levou com eles um fiel
escudeiro que lhe levava a espada, e cavalgaram em direcção aos cumes do monte
Amida. Quando chegaram ao local, estava o Sol a pôr-se». ». In
Pascal Quignard, Histoiresd’Amour du Temps Jadis, Editiones Philippe Picquier,
Arles, 1998, Histórias de Amor de Outros Tempos, Retratos Vivos, tradução de
Maria Vilar Figueiredo, Edições Cotovia, Lisboa, 2002, ISBN 972-795-043-4.
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