sexta-feira, 14 de março de 2014

A Rainha Restauradora. Luísa de Gusmão. Monique Vallance. «É muito difícil encontrar obras importantes que se debrucem sobre D. Luísa e a sua regência com alguma profundidade. Muitas das histórias gerais de Portugal “ignoram-na”, bem como aos anos da “sua regência”»

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D. Luísa e o problema das fontes
«O período da Restauração é complicado para os historiadores que o pretendem estudar. Ainda não existe qualquer trabalho moderno abrangente que cubra a totalidade do período de 1640-1668 e se debruce sobre as políticas e as guerras que nele ocorreram. Por esse motivo, quem seja levado a investigar este período, vê-se obrigado a trabalhar com biografias ou outros estudos especializados, ou forçado a voltar-se para fontes coevas. Embora os homens envolvidos na Restauração sejam, bem entendido, fáceis de investigar devido à sua notoriedade, o estudo das mulheres do mesmo período constitui uma tarefa muito mais difícil. A mulher mais proeminente desta época é indubitavelmente D. Luísa de Gusmão, mulher de D. João IV e mesmo ela pode tornar-se uma figura ofuscada pelas discussões em torno dos protagonistas masculinos. Em termos gerais, a maior parte dos historiadores ignorou D. Luísa e o seu contributo para a história de Portugal. É muito difícil encontrar obras importantes que se debrucem sobre D. Luísa e a sua regência com alguma profundidade. Muitas das histórias gerais de Portugal ignoram-na, bem como aos anos da sua regência. Hesitamos em atribuir automaticamente este facto e presunções masculinas acerca da inadequação do sexo fraco. Em vez disso, é mais do que provável que D. Luísa seja ignorada por ter sido ofuscada pelos homens da sua vida. D. João IV, o Restaurador, como fundador da nova dinastia, concentra geralmente as atenções, pois foi o principal decisor por trás da restauração da monarquia portuguesa. Mesmo depois de D. Luísa ter desempenhado as funções de regente pelo seu filho Afonso VI, de 1656 a 1662, o seu papel na guerra e na diplomacia é obscurecido pelo comportamento errático do filho, e quaisquer benefícios resultantes da sua regência são novamente ocultados pelo escândalo criado pelo príncipe Pedro (futuro Pedro II) e pela mulher de Afonso, D. Maria Francisca de Saboia. Em consequência, o papel de D. Luísa nas guerras da Restauração é encarado pela maior parte dos estudiosos como sendo menor ou mesmo desprovido de importância.
As histórias gerais de Portugal tendem a tratar superficialmente os anos da regência de D. Luísa, ou a ignorá-los por completo. Por exemplo, Oliveira Marques, na sua História de Portugal (publicada em 1972), dedicou apenas alguns parágrafos a esse período e afirma que não ocorreram mudanças essenciais entre 1656 e 1662. A História de Portugal, em vários volumes, coordenada por José Mattoso, ignora virtualmente os anos de 1620 a 1700. Em parte, isto tem a ver com o facto de o século XVII em geral, e o período da Restauração em particular, terem sido amplamente ignorados pelos historiadores durante o século XX. Realizaram-se alguns trabalhos na década de 1940, Por ocasião do quarto centenário da dinastia de Bragança, mas, para além disso, pouco mais existe. Este facto modificou-se um pouco nos últimos quinze anos, mas ainda há muito trabalho a fazer. O único trabalho abrangente acerca de D. Luísa é a biografia da autoria de Hipólito Raposo, publicada em 1947. Trata-se de um trabalho extremamente importante, uma vez que o autor foi muito meticuloso na investigação das fontes primárias e secundárias disponíveis. Todavia, como frequentemente acontece nos trabalhos históricos deste período, Raposo mostra-se claramente parcial em favor de D. Luísa e escreveu a sua biografia com base nesse pressuposto. A sua forte parcialidade em favor de D. Luísa é demonstrada pela linguagem floreada que utilizou ao descrever aquilo que considerava serem as virtudes extraordinárias desta figura histórica. Até hoje, esta é a única biografia de D. Luísa e a mais extensa obra concentrada nas políticas e eventos ocorridos durante a sua regência. Infelizmente, Hipólito Raposo leva demasiado longe as suas presunções acerca de como uma mulher, esposa ou mãe devia sentir-se em determinados momentos da sua vida. A obra inclui ainda muitos dos poemas laudatórios escritos acerca de D. Luísa na época, como que para provar ao leitor que ela era tão maravilhosa como o autor parece julgar.
São particularmente importantes todas as biografias publicadas durante a sua época de existência, não só para a compreensão do período em geral, mas também para compreender a vida pessoal e pública de D. Luísa. Embora essas biografias não se concentrem especificamente em D. Luísa, ela esteve tão envolvida nas vidas do seu marido e dos seus filhos que desempenha um importante papel nessas obras. Em particular, muitos dos autores referidos são especialistas nos intrincados sistemas políticos da época. Por exemplo, Mafalda Cunha é especialista na história da Casa de Bragança, tendo várias obras publicadas acerca desta casa, bem como das suas redes de clientela e dependentes, sobretudo no período entre os finais do século XVI e meados do século XVII. Pedro Cardim escreveu vários artigos e livros acerca de questões militares e governativas durante o século XVII. Por fim, Maria Paula Lourenço é especialista na casa das rainhas e na importância da mesma no sistema de clientela que existia na corte real. Em particular, publicou estudos acerca da Casa de Bragança durante o reinado de D. Luísa e do hábito dos Braganças em conceder mercês aos nobres da corte». In Monique Vallance, A Rainha Restauradora, Luísa de Gusmão, Círculo de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4713-7.

Cortesia de CLeitores/JDACT