segunda-feira, 3 de março de 2014

A Rainha Inglesa de Portugal. Filipa de Lencastre. Manuela S. Silva. «Edward III ascendera ao trono de Inglaterra em 1327, quando contava apenas 14 anos. Sucedia a seu pai, Edward II, que havia sido deposto depois de uma invasão a partir de França dirigida pela mulher»

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1361-1387. A filha mais velha dos duques de Lencastre
«É em Inglaterra que começa esta biografia de uma aristocrata inglesa que, fruto da conjuntura política internacional e das ambições pessoais dos seus parentes mais próximos, veio a tornar-se rainha de Portugal. Um acaso improvável!

Nasce Philippa, filha dos condes de Richmond
Foi possivelmente no castelo de Leicester, pertença do seu avô materno, que a primeira filha do jovem casal Blanche de Lancaster e John Plantageneta veio ao mundo, a 31 de Março de 1360. A mãe, ainda muito jovem, talvez não tivesse mesmo mais de 15 anos, passara os últimos meses de gravidez na companhia da sogra, a rainha Philippa de Hainaut, mas, para o momento do parto, parece ter optado antes por contar com o apoio dos pais, uma vez que o marido se encontrava ausente do reino. O castelo de Leicester era, de facto, uma das residências mais emblemáticas do património da família de Blanche, símbolo do poder dos condes de Leicester, um dos títulos ostentados pelo seu pai. Mas o facto de ter preferido dar à luz num local e ambiente familiares não significa que não possa ter tido a acompanhá-la, enquanto visita de seus pais, a própria rainha. Na verdade sabemos que, a 21 de Maio, foi a sogra quem pagou as despesas da cerimónia religiosa que marcou a recuperação de Blanche após o bem-sucedido parto.
A avó paterna deve também ter desempenhado o papel de madrinha no ritual de introdução da nova neta na comunidade cristã. Assim, a recém-nascida chamou-se Philippa tal qual a rainha, mãe do seu pai. Este, porém, só a terá conhecido quando Philippa já contava quase 2 meses. Estivera em França, integrado no exército do pai e do irmão mais velho, numa campanha vitoriosa que se concluíra de forma positiva para os ingleses, que haviam conseguido fazer assinar em Brétigny um tratado com cláusulas que lhes eram francamente favoráveis, permitindo a Edward III guardar algumas das terras conquistadas e alargar o seu ducado da Aquitânia. Constituía, ao fim de vinte e três anos de guerra com França, uma boa notícia, embora estivesse longe de corresponder às aspirações que tinham levado o avô de Philippa a enveredar por um tão longo conflito com o reino vizinho que tivera sempre ligações com Inglaterra. Nessa afinidade entre os dois reinos radicava, porém, o problema.

Uma família real vassala dos de França
Os reis de Inglaterra, dadas as suas raízes normandas, tinham sido sempre grandes proprietários em França e sentiam-se até mais franceses que ingleses. Os poderes que exerciam para lá do canal da Mancha, the English Channel tinham, todavia, sofrido uma grande quebra desde o início do século XIII, quando o património fora reduzido à posse da região da Gasconha, localizada no sudoeste continental. Henry III de Inglaterra restaurara o ducado da Aquitânia, que agora incluía pouco mais do que a Gasconha, através da assinatura, a 4 de Dezembro de 1259, do Tratado de Paris, mas perante o rei de França a sua situação era agora a de vassalo lígio, com obrigações bem determinadas para com o seu suserano. O monarca inglês tornara, porém, o ducado francês parte integrante do território da coroa inglesa ao transformá-lo em prerrogativa do filho mais velho, futuro herdeiro do trono. Tais atitudes e outras por parte dos reis ingleses foram aproveitadas esporadicamente pelos seus suseranos franceses para lhes confiscarem o senhorio da Aquitânia. Acontecera em 1294, em 1324 e voltou a suceder em 1337, reinando já Edward III. Das duas primeiras vezes o ducado fora restituído aos monarcas ingleses mediante a reafirmação da sua vassalagem. Porém, agora, a reacção do novo monarca inglês seria diferente e alimentada por um novo argumento que incrementaria a hostilidade entre os dois reinos.
Edward III ascendera ao trono de Inglaterra em 1327, quando contava apenas 14 anos. Sucedia a seu pai, Edward II, que havia sido deposto depois de uma invasão a partir de França dirigida pela mulher, que se sentia preterida e ferida na sua honra face a alguns privados do rei, e por Roger Mortimer, um dos seus mais destacados adversários. Este aristocrata inglês passara algum tempo no Hainaut, um pequeno condado do Sacro Império Romano-Germânico e, já no exílio, tornara-se amante da mulher de Edward II, Isabel de França. O filho desta, Edward, que também regressara a Inglaterra na armada destinada a depor o monarca, tinha estado no continente desde há, cerca de um ano, representando o pai, enquanto duque da Aquitânia, na cerimónia de homenagem ao rei de França, Charles IV. Entre 1327 e 1330, nos primeiros anos do seu reinado, portanto, foi apenas um fantoche nas mãos de sua mãe e de Roger Mortimer, autoproclamado conde da Marca, empenhados num governo revanchista, cujas decisões a nível político e militar estavam longe de obter o consenso entre os restantes dignitários do reino». In Manuela Santos Silva, A Rainha Inglesa de Portugal, Filipa de Lencastre, Círculo de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4707-6.

Cortesia de CLeitores/JDACT