A Divisão da História de Portugal em períodos
«(…) A abertura do derradeiro período corresponde à elevação do Brasil
a reino e aos antecedentes da revolução liberal: não é, pois, inadequada. A cesura de 1640, que Oliveira Marrins consagrara como a da passagem do
império baseado no Oriente ao império baseado no Brasil, é ainda, politicamente,
a da Restauração mas esbarra contra as objecções, em que poucos repararam, de
Herculano. A grande novidade da Barcelos
é, sem dúvida, o corte em 1557 em
vez de 1580, neste caso parece
ter-se atendido, em parte, a Herculano; aquela data é, no entanto, a da
morte de João III, e como tal, só por si, não muito significativa. Se as
divisões da história de Pornrgal em períodos que até aqui apresentámos exprimem,
no fundo, teorias dessa história de Portugal ou aplicam de forma mais ou menos
consciente rotinas didácticas e ideologias dorninantes, convém considerar as
tentativas de periodização ligadas à aplicação sistemática de uma ideia
operatória. É o caso das divisões em ciclos operadas quer na evolução
portuguesa quer na brasileira. A ideia de ciclo,
originária do pensamento mítico ligado aos cultos agrários da fertilidade e
pastoris da fecundidade, transpõe-se para a esfera do pensamento filosófico
relativo ao homem e à sociedade com Platão, cuja tipologia das formas
políticas é ao mesmo tempo uma dinâmica pois elas não seriam mais do que
momentos engendrando-se sucessivamente num movimento circular em constante
repetição. Como concepção da história da humanidade, coube a Vico precisá-la
e desenvolvê-la (1725, 1730, 1744). Essa história passaria recurrentemente por
três idades: a idade divina,
de teocracia, em que predomina o sentimento; a idade heróica, das aristocracias, época de violência e
epopeia, em que o tom dominante é dado pela imaginação; e a idade propriamente humana, marcada pela inteligência e
pelo saber racional, em que triunfa o direito, em que o regime é a república ou
a monarquia temperada.
Se com o mundo greco-romano a humanidade alcançara a terceira idade,
com o mundo medieval regressou à barbárie da primeira. Assim, em corsi
e ricorsi,
seria para os homens um eterno retorno e um eterno recomeço. Mas porque contrapondo
a fantasia poética na construção da história ao racionalismo matemático e
experimental, a filosofia de Vico
não exerceu influência no movimento iluminista, e as revoluções industriais do
século XIX, radicando a crença no progresso, como que varreram a concepção
cíclica, que só quando aquela está em crise ressurge com Spengler
principalmente: cada ciclo de cultura seria um domínio hermeticamente fechado,
com personalidade própria, sujeito internamente a um ritmo que o faria passar
da Primavera ao Verão, Outono e por fim Inverno, do nascimento à morte.
Mas a ideia de uma como que lei de desenvolvimento interno de estrutura em vaso
fechado vem já do século XIX e encontra-se, por exemplo, em Oliveira Martins.
Não parece que Vico repercutisse no pensamento português setecentista e
oitocentista, embora fosse conhecido da geração
de 70 graças à tradução de Michelet, assim, é-o de Antero,
de Teófilo, que em As modernas ideias na Literatura portuguesa
(1892)
lhe consagra um capítulo mas apenas em relação com os tropos, as figuras
literárias e as formas de lógica poética;
é-o de Oliveira Martins, que todavia não aceita sua filosofia (Theoria
do Socialismo, 1872), preferindo-lhe a do
historiador francês tradutor do italiano, e que transforma os ricorsi
numa série de círculos concêntricos sucedendo-se sempre e alargando em
periferia, logo ascensionais; a humanidade não está como os bois a tocar a
nora, descreve sim uma espiral (carta a Barros Gomes, Correspomdência n.º
XXV).
Mas a marcha da humanidade não segue uma evolução rectilínea e
progressiva em todos os seus pontos, A
história é um sistema de civilizações, e cada civilização é em si um sistema
com história e leis próprias; em cada civilizaçio encontrar-se-ão
sempre três mornentos incontestáveis e evidentes:
- o da agregação ou mecanismo, o do espírito inconsciente representando em mitos (a que corresponde como método histórico a narrativa dos factos e a descrição do meio);
- o da organização das forças democráticas operando como elementos naturais (e aqui cabe o estudo da concatenação sistemática dos costumes, dos movimentos de classes, das instituições);
- o da sociedade animada por um pensamento, em que a liberdade humana positivamente cria (método artístico, biografias) (O Helenismo, 1878, introdução; História da Civilização Ibérica, Liv. IV). Perpassa aqui a influência de Vico, e como o italiano; Martins considera paradigmática a história romana.
A ideia de ciclo serviu a Lúcio Azevedo para periodizar a
história económica de Portugal e a vários historiadores brasileiros, na sua
esteira, para periodizarem a história económico-social do Brasil. Não parece
todavia que haja que relacionar tal periodização com a concepção cíclica à Vico
nem talvez sequer com a dos ciclos culturais da etnologia, embora com esta manifeste
certas afinidades. Trata-se fundamentalmente de épocas sucessivas, cada uma das
quais estruturada em volta de um núcleo que é constituído por um produto dominante
arrastando todas as outras actividades; em cada desenrola-se um processus segundo o qual o factor
dominante aparece, se fortalece e depois de um apogeu decai e mesmo desaparece,
e na recurrência de tal processus
para vários produtos e actividades sucessivamente é que reside propriamente o
carácter cíclico. Como escreve Afonso Arinos, em torno de tais sois económicos ficam, em cada ciclo, os planetas
vassalos e submissos, maiores ou menores, descrevendo órbitas de mais longo ou
mais diminuto alcance. São aquilo a que podemos chamar os comércios ancilares
do produto principal». In Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios, Sobre a
História de Portugal, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1ª Edição, 1968.
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