Considerações sobre a vida e obra de Rodrigues de Brito
«Temos a convicção que
Joaquim Maria Rodrigues de Brito
pode, de certa forma, ser considerado um dos mais lídimos representantes do krausismo
no nosso país. É verdade que a sua doutrina, ao contrário, por exemplo, das de Costa
Lobo ou Levy Maria Jordão, não tem a preocupação de se revelar da
forma mais ortodoxa, porém, a introdução de outros elementos teóricos vem
desembocar num pensamento original com um sustentáculo nitidamente krausiano.
Desde logo, não podemos deixar de salientar que não existia, até hoje, qualquer
estudo de carácter monográfico sobre o filósofo
de Coimbra. Desde os estudos pioneiros de Cabral de Moncada, Subsídios para uma História da Filosofia
do Direito em Portugal (1772-1911),
até à mais recente publicação de Maria Clara Calheiros, Filosofia Jurídico-Política do Krausismo Português, não
encontramos mais do que estudos parcelares que nos conduzem a uma visão não
suficientemente abrangente da obra e do autor. Da vida do professor de
filosofia do direito não foi muito abundante o que conseguimos apurar. Esta ofuscação, segundo nos é testemunhado
por Manuel Emídio Garcia, poder-se-á ficar a dever ao facto de concentrar nos
estudos todos o seu entusiasmo e, por esse motivo, se ter afastado,
conscientemente, de todo o contacto com a vida pública, o que, diga-se de
passagem, não facilita a pesquisa de dados sobre a sua existência.
É dado seguro que viu a
primeira luz do dia na freguesia de S. Cristóvão, que corresponde hodiernamente
à freguesia de Almedina, em Coimbra, aos 27 dias do mês de Junho
de 1822. Pensamos que nasceu na Rua
das Fangas, pois nos anos de estudante o seu domicílio foi sempre nessa
rua, nos números 10 (1837), 11 (1838) e 35 (1840 a
1843)
e enquanto lente era aí, também, o seu aposento, neste caso nos números 28 (1855),
23 (1861)
e 18 (1865). Em 1873 foi
dessa artéria, ainda, que partiu o préstito fúnebre. Era filho do Lente de leis Joaquim José
Rodrigues Brito e de Josefa Benedita Freire Ventura Brito e sobrinho do
Desembargador João Rodrigues Brito, deputado nas Cortes vintistas. O
progenitor, com 69 anos à data do nascimento do filho, tinha remetido aos
prelos, em 1803, as célebres Memórias políticas sobre as verdadeiras
bases da grandeza das nações, principalmente de Portugal, 3 tomos, Lisboa,
Imprensa Régia, estudo percursor da investigação económica no nosso país. Joaquim
Maria Rodrigues de Brito contava apenas nove anos quando o procriador
faleceu (20 de Novembro de 1831), e dessa data até à entrada no
curso de direito nada mais nos foi possível descortinar. Em 26 de Outubro de 1837, então com 15 anos de idade, entra
nos claustros da Universidade onde frequenta o curso de direito, desde o ano
lectivo de 1837-38 até 1841-42. No ano seguinte, 1842-43,
cursa o sexto ano que dá acesso ao magistério, vindo a realizar o exame privado
em 21 de Julho de 1843. Tendo feito
a repetição do acto, possivelmente, em 5 de Julho de 1843, conclui o doutoramento em 25 de Julho de 1843.
Não vamos procurar fazer
aqui um apanhado das influências que Brito
poderia ter sofrido nestes anos passados na Faculdade de Direito. Dos Lentes da
época alguns são sobejamente conhecidos. Estamos a pensar nos casos de Coelho
da Rocha, de Liz Teixeira, de Guilherme Henriques de Carvalho, de Adrião
Forjaz, de Basílio Pinto ou de Vicente Ferrer, e ficamos por aqui para não ter
que enumerá-los todos. Destes educadores aquele que, certamente, o terá
influenciado em maior grau, até pela escolha que posteriormente o levará à cátedra de filosofia do direito,
foi Vicente Ferrer. O primeiro texto escrito que dele temos notícia,
datada de 1843, é a sua dissertação
de doutoramento, cujo argumento se debruçava sobre um fragmento de Ulpiano, lib.
I Regularum, L. I. D. de Jurisdictione. Estes trabalhos, independentemente dos
temas que eram destinados aos doutorandos pela congregação da Faculdade, serviam,
fundamentalmente, para o candidato demonstrar a sua sapiência nos diversos ramos
da ciência jurídica (Direito Natural,
Romano, Pátrio, Canónico, Economia Política, etc.). Neste contexto,
nestas suas teses, o que nos chamou verdadeiramente a atenção foi a epígrafe,
extraída duma obra de Lerminier, que nos remete, desde logo, para a função social do direito. Característica
esta que é realmente essencial em toda a obra de Brito. Quer isto dizer que, desde o final da sua formação, o
filósofo já tinha adquirido um conjunto de preceitos que, duma maneira ou de
outra, foi desenvolvendo ao longo do seu magistério.
Porém, talvez seja
adequado fornecer, nesta ocasião, a citação de Lerminier e os parágrafos onde
ela se encontra inserida, tarefa que tomaremos a ombros de seguida: En résumé, l’homme est libre et sociable. Or
sa liberté est la racine du droit, et sa sociabilité en est la forme. Le droit
est donc l’harmonie et la science des rapports obligatoires des hommes entre
eux. Il est né du commerce de l’homme avec l’homme, du contact de l’homme avec
les choses; il est l’enfant de la vie humaine, de la société, ou plutôt il est
la société même: rien de plus réel et de plus vivent. […] C’est le droit qui réunit les hommes, qui
fait le lien social, en faisant à chacun sa part, en gardant comme un trésor la
propriété de tous et de chacun, en réglant les sacrífices nécessaires, en
protégent les opinions, les doctrines, les sectes, les religions, tant qu’elles
ne sortent pas du cercle qu’il leur a tracé; en planant au-dessous d’elles,
prêt à punir les écarts téméraires, les violations de la liberté, dont il est,
pour ainsi dire, la religion […].
Voltando ao seu quotidiano,
a fazermos fé em Martins de Carvalho, Brito
foi, em 8 de Janeiro de 1847, por
portaria exarada pelo duque de Saldanha, nomeado ajudante do revisor da
Imprensa da Universidade. Provimento depois confirmado por decreto de 18 de
Fevereiro do ano seguinte. Posteriormente, por decreto de 26 de Abril de 1854, foi indigitado revisor, cargo que
ocupou até 17 de Março de 1855, data
em que foi provido substituto extraordinário da Faculdade de Direito. No já
citado ano de 1847 terá feito parte
do batalhão de caçadores cartista de Coimbra com a patente de tenente.
Não temos qualquer
notícia sobre ele desde os acontecimentos anteriormente relatados até à
publicação da obra Chorografia do
Reino de Portugal para uso das Escholas d’instrucção primaria, na qual
revela à puridade que tinha sido
encarregado pelo Conselho Superior de
Instrução Pública de fazer a Chorografia de Portugal, ilhas
adjacentes e possessões
ultramarinas para uso das Escola de instrução primária. Nesta mesma
obra temos a informação de que seria, à época (1850), doutor adido na Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra e, pensamos que também, secretário do
citado Conselho Superior de Instrução Pública. Acerca da nomeação para o citado
cargo, veja-se o alegado artigo do Tribuno Popular». In António
Paulo S. Dias Oliveira, Rodrigues de Brito, a Mutualidade de Serviços e o Solidarismo
Krausiano, Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais,
DHAP, Faro, 2007.
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