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O Papa-Rei
Octaviano, filho do príncipe de Roma, nasceu por volta do ano 937, pois a sua mãe fora o instrumento
passivo de uma paz concluída entre Alberico e Hugo da Provença no
ano anterior. Ela era filha de Hugo e este talvez tenha tido a intenção de a
usar como pretexto e assim conseguir finalmente entrar em Roma. Mas pouco
depois considerou prudente retirar-se por completo da Itália; o seu deboche e
tirania minaram finalmente o pouco poder que possuía como rei. Numa derradeira
sucessão de roubos recolheu uma fortuna, depois retirou-se para a Provença e aí
viveu confortavelmente o resto da vida. Foi eleito um novo rei de Itália, mas ignorou tanto Roma como Alberico. Este,
resignando-se ao facto de sua mulher ser a simples herdeira de um bandido
reformado, dedicou-se a partir daí à restauração de Roma. O nome de Alberico
escolhido para o seu primeiro filho legítimo demonstrava o orgulho do passado
de Roma e fé no futuro. Os próprios Romanos tinham esquecido ou desprezavam a
sua herança, voltando-se para a corte grega de Constantinopla como modelo de
comportamento social. Os próprios avós de Alberico, Teofilato e Teodora,
tinham nomes gregos, embora fossem Romanos. Para Alberico, o nome Octaviano tinha um significado
duplo. Era o nome pessoal de Augusto César, que era o epítome da majestade de
Roma; mas era também o nome do príncipe etrusco de Túsculo, morto há muito, que
liderara os Etruscos nas últimas batalhas contra Roma há mais de um milénio. Alberico
pretendia talvez apenas uma ligação simbólica com a cidade dos seus
antepassados por parte da mãe, mas descendentes da sua família podiam alegar um
laço de sangue com o grande etrusco, apelidando-se condes de Túsculo,
transformando as origens obscuras da família numa linhagem confusa.
A infância do jovem Octaviano está envolta em quase total obscuridade.
O pai criou-o mais para ser soldado do que futuro padre, pois embora tivesse
mais tarde demonstrado alguma aptidão militar, era óbvio que a sua aprendizagem
livresca era deficiente. Na sua maturidade, chamado, na qualidade de jovem papa,
a presidir a concílios de homens letrados, foi ridicularizado pela sua
ignorância elementar do latim. O que não pareceu embaraçá-lo nem ser uma
desvantagem. A casa de Teofilato criou mais políticos e soldados do que
eruditos, e o estado abissal do saber em Roma teria requerido uma juventude
invulgar para atingir sequer o nível que era aceite como norma para as pessoas
da sua posição em qualquer outra parte. E, neste assunto, Octávio não era de modo
algum invulgar. Mas qualquer espécie de formação que o rapaz tivesse foi
eliminada logo de início, porque ele não tinha mais de dezasseis anos quando,
no Outono de 954, o pai morreu. Alberico
não tinha quarenta anos quando a febre letal que grassava insidiosamente na
Campagna o apanhou. Caracteristicamente, estava no meio de preparativos
militares quando a doença o atacou, mas não foi a campanha que o levou a convocar
urgentemente os nobres romanos à Basílica de S. Pedro. Parecia que Alberico
sabia que estava prestes a sucumbir, enquanto os seus planos a longo prazo para
si, para Roma e para o filho estavam ainda em curso. Com o suor da morte a
escorrer, fez-se todavia transportar ao lugar mais sagrado da Cristandade, o
altar por cima do túmulo de S. Pedro, e aí pediu aos nobres que jurassem sobre os
ossos do apóstolo que elegeriam o filho príncipe após a sua morte, e papa depois
da morte do pontífice reinante. Os nobres adoravam-no e juraram, e asseguraram
a destruição de tudo o que ele criara.
Apesar da sua largueza de vistas e da sua imaginação ousada, Alberico
era essencialmente um filho da sua época, incapaz de prever acontecimentos a
não ser através do espectro da lealdade familiar. Tinha reabilitado os Teofilatos,
tornando-os numa grande casa, e segundo o clima moral dos seus dias não seria
piedoso se não tivesse assegurado a sua continuação. É possível que, se o tempo
lhe não fugisse, tivesse criado Octaviano à sua própria imagem como
príncipe, iniciando o jovem no controlo do subtil equilíbrio de forças que
permitia aos ministérios de príncipe e papa serem distintos, mas harmoniosos.
Mas não teve tempo, e nos seus últimos momentos o homem de estado cedeu ao
nobre preocupado com a família que apenas via as riquezas da sua casa, agora nas
mãos de um jovem inexperiente, serem espoliadas pelo poder e riqueza do Papado.
Morreu, e Octaviano tomou o seu lugar
de príncipe. Um ano mais tarde, o papa reinante morreu também e os Romanos,
obedecendo à última ordem de Alberico, elegerem papa o seu filho de dezasseis
anos. Assim, ambos os ministérios estavam outra vez juntos numa pessoa,
causando uma massa crítica que a seu tempo teria de explodir. Nesta coroação, Octaviano
adoptou o nome de João XII, estabelecendo o costume duradouro de um nome
papal. Era uma expressão do papel duplo, pois ele empregou o nome de Octaviano
na sua qualidade de príncipe e o de João na condição de Papa». In Russel Chamberlin, The Bad Popes,
Sutton Publishing, 1969, Papas Perversos, Edições 70, Lisboa, 2005, ISBN
972-44-1207-5.
Cortesia Edições 70/JDACT