quarta-feira, 26 de março de 2014

Papas Perversos. O Papa-Rei. Russel Chamberlin. «Morreu, e Octaviano tomou o seu lugar de príncipe. Um ano mais tarde, o papa reinante morreu também e os Romanos, obedecendo à última ordem de Alberico, elegerem papa o seu filho de dezasseis anos»

Papa João XII, o Devasso
Cortesia de wikipedia

O Papa-Rei
Octaviano, filho do príncipe de Roma, nasceu por volta do ano 937, pois a sua mãe fora o instrumento passivo de uma paz concluída entre Alberico e Hugo da Provença no ano anterior. Ela era filha de Hugo e este talvez tenha tido a intenção de a usar como pretexto e assim conseguir finalmente entrar em Roma. Mas pouco depois considerou prudente retirar-se por completo da Itália; o seu deboche e tirania minaram finalmente o pouco poder que possuía como rei. Numa derradeira sucessão de roubos recolheu uma fortuna, depois retirou-se para a Provença e aí viveu confortavelmente o resto da vida. Foi eleito um novo rei de Itália, mas ignorou tanto Roma como Alberico. Este, resignando-se ao facto de sua mulher ser a simples herdeira de um bandido reformado, dedicou-se a partir daí à restauração de Roma. O nome de Alberico escolhido para o seu primeiro filho legítimo demonstrava o orgulho do passado de Roma e fé no futuro. Os próprios Romanos tinham esquecido ou desprezavam a sua herança, voltando-se para a corte grega de Constantinopla como modelo de comportamento social. Os próprios avós de Alberico, Teofilato e Teodora, tinham nomes gregos, embora fossem Romanos. Para Alberico, o nome Octaviano tinha um significado duplo. Era o nome pessoal de Augusto César, que era o epítome da majestade de Roma; mas era também o nome do príncipe etrusco de Túsculo, morto há muito, que liderara os Etruscos nas últimas batalhas contra Roma há mais de um milénio. Alberico pretendia talvez apenas uma ligação simbólica com a cidade dos seus antepassados por parte da mãe, mas descendentes da sua família podiam alegar um laço de sangue com o grande etrusco, apelidando-se condes de Túsculo, transformando as origens obscuras da família numa linhagem confusa.
A infância do jovem Octaviano está envolta em quase total obscuridade. O pai criou-o mais para ser soldado do que futuro padre, pois embora tivesse mais tarde demonstrado alguma aptidão militar, era óbvio que a sua aprendizagem livresca era deficiente. Na sua maturidade, chamado, na qualidade de jovem papa, a presidir a concílios de homens letrados, foi ridicularizado pela sua ignorância elementar do latim. O que não pareceu embaraçá-lo nem ser uma desvantagem. A casa de Teofilato criou mais políticos e soldados do que eruditos, e o estado abissal do saber em Roma teria requerido uma juventude invulgar para atingir sequer o nível que era aceite como norma para as pessoas da sua posição em qualquer outra parte. E, neste assunto, Octávio não era de modo algum invulgar. Mas qualquer espécie de formação que o rapaz tivesse foi eliminada logo de início, porque ele não tinha mais de dezasseis anos quando, no Outono de 954, o pai morreu. Alberico não tinha quarenta anos quando a febre letal que grassava insidiosamente na Campagna o apanhou. Caracteristicamente, estava no meio de preparativos militares quando a doença o atacou, mas não foi a campanha que o levou a convocar urgentemente os nobres romanos à Basílica de S. Pedro. Parecia que Alberico sabia que estava prestes a sucumbir, enquanto os seus planos a longo prazo para si, para Roma e para o filho estavam ainda em curso. Com o suor da morte a escorrer, fez-se todavia transportar ao lugar mais sagrado da Cristandade, o altar por cima do túmulo de S. Pedro, e aí pediu aos nobres que jurassem sobre os ossos do apóstolo que elegeriam o filho príncipe após a sua morte, e papa depois da morte do pontífice reinante. Os nobres adoravam-no e juraram, e asseguraram a destruição de tudo o que ele criara.
Apesar da sua largueza de vistas e da sua imaginação ousada, Alberico era essencialmente um filho da sua época, incapaz de prever acontecimentos a não ser através do espectro da lealdade familiar. Tinha reabilitado os Teofilatos, tornando-os numa grande casa, e segundo o clima moral dos seus dias não seria piedoso se não tivesse assegurado a sua continuação. É possível que, se o tempo lhe não fugisse, tivesse criado Octaviano à sua própria imagem como príncipe, iniciando o jovem no controlo do subtil equilíbrio de forças que permitia aos ministérios de príncipe e papa serem distintos, mas harmoniosos. Mas não teve tempo, e nos seus últimos momentos o homem de estado cedeu ao nobre preocupado com a família que apenas via as riquezas da sua casa, agora nas mãos de um jovem inexperiente, serem espoliadas pelo poder e riqueza do Papado. Morreu, e Octaviano tomou o seu lugar de príncipe. Um ano mais tarde, o papa reinante morreu também e os Romanos, obedecendo à última ordem de Alberico, elegerem papa o seu filho de dezasseis anos. Assim, ambos os ministérios estavam outra vez juntos numa pessoa, causando uma massa crítica que a seu tempo teria de explodir. Nesta coroação, Octaviano adoptou o nome de João XII, estabelecendo o costume duradouro de um nome papal. Era uma expressão do papel duplo, pois ele empregou o nome de Octaviano na sua qualidade de príncipe e o de João na condição de Papa». In Russel Chamberlin, The Bad Popes, Sutton Publishing, 1969, Papas Perversos, Edições 70, Lisboa, 2005, ISBN 972-44-1207-5.

Cortesia Edições 70/JDACT