domingo, 18 de dezembro de 2016

A Primeira Rainha de Portugal. Dona Teresa. Marsilio Cassotti. «No resto do ano permaneceriam nalguma propriedade familiar, em Leão ou em Astorga, onde é possível que a linhagem de Jimena tivesse parentela em importantes círculos eclesiásticos»

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A criação de uma futura Rainha (1085-1095)
«(…) A historiografia tradicional tem-se interrogado sobre a razão pela qual Afonso casou Urraca, sua filha primogénita e legítima, com um membro do ramo condal da Borgonha, e, pelo contrário, deu depois a mão de Teresa, terceira filha e ilegítima, a uma linhagem portadora do título ducal, muito mais importante e prestigiada do ponto de vista nobiliárquico. Esta questão tem sido respondida dizendo que se devia ao facto de Raimundo ser mais velho e de Henrique de Borgonha ainda não ter chegado à Península, o que, em parte, é verdade.
Afonso tinha necessidade de um homem adulto e com experiência para fazer frente à situação crítica. Esse pode ter sido um dos motivos. E outro, o de, na verdade, a linhagem de Raimundo ter muito mais prestígio do que à primeira vista podia indicar o título condal usado pela sua família, adoptado por um antepassado depois de a mãe ter casado em segundas núpcias com um conde de Borgonha, pois o conde Raimundo descendia, por linha de varão, directa e legitimamente, de Berengário I, rei de Itália e imperador do Sacro Império Romano-Germânico. É uma genealogia que talvez diga pouco actualmente, mas que significaria muito para um monarca como Afonso VI, interessado no facto de lhe ser reconhecido fora da Península o título de imperator de Espanha. É possível, também, que estas prestigiosas ligações nobiliárias tivessem sido consideradas por Afonso Henriques quando casou com Mafalda de Sabóia, dado que a sua avó materna pertencia à linhagem dos condes de Borgonha.
Desconhece-se onde passaram a infância as filhas que Jimena deu ao rei, uma vez que os documentos demoraram a registar o seu nome. Ao serem filhas da senhora do Bierzo, é possível que as duas pequenas infantas, Elvira e Teresa, tenham vivido durante a Primavera e o Verão nessas paragens, agrestes mas saudáveis nessas estações, para duas meninas de tenra idade. Estariam ao cuidado de uma ama, mas próximas da sua progenitora. No resto do ano permaneceriam nalguma propriedade familiar, em Leão ou em Astorga, onde é possível que a linhagem de Jimena tivesse parentela em importantes círculos eclesiásticos.
Uma das primeiras correntes educativas das descendentes pertencentes aos altos estratos produzia-se através das relações da mãe e da ama de leite com a religião. Se as infantas Elvira e Teresa residiam com Jimena uma parte do ano nas colinas bercianas, seguramente participariam das actividades do mosteiro de São Pedro de Montes, com o qual esta aparece relacionada num grande número de documentos. As famílias da nobreza. conforme a sua riqueza, costumavam ter várias instituições eclesiásticas que lhes pertenciam em propriedade, sendo a fundação de um mosteiro um dos actos religiosos sociais mais importantes que podia realizar uma aristocrata naqueles tempos. Também era uma demonstração de grande prestígio para os seus descendentes fazer com que essa relação não decaísse, e isso conseguia-se com sucessivas doações, como bem demonstram os arquivos do mosteiro de São Pedro, relativamente à família materna de Teresa.
Tanto esse mosteiro como o de santo André de Espinareda, localizado também no Bierzo, ao qual talvez tenham ido parar os restos de Jimena, tinham uma antiquíssima relação com terras portuguesas. Em ambas as casas tinha vivido um bispo de Braga, e uma das doações a São Pedro, feita por um suposto irmão de Jimena, faz referência explícita ao facto de esse mosteiro ter sido fundado há muito tempo por São Frutuoso, antigamente responsável pela sede bracarense. Por outro lado, sabe-se que o mosteiro de Santo André tinha sido adquirido por um filho do conde Vermudo Gatones, possível descendente da rainha Creusa de Braga, tio dos primeiros condes de Portucale e antepassado de Teresa. Posteriormente passaria a pertencer ao viseense Ramiro II de Leão, através de uma importante doação. Em 1043 tinha recebido a visita da família real leonesa completa, com a finalidade de sancionar a refundação do mosteiro. O documento em questão cita alguns nobres. Entre eles, uma Elvira Rodrigues, freira, um Rodrigo Osorez e um Menendo Sisnández, patronímicos que têm uma grande semelhança ou com alguns membros da nobreza galaico-portuguesa desse período ou com os da linhagem de Muño Muñiz Gallecie. Por certo, na altura esta linhagem era aparentada com a do conde Muño Muñiz Canis». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da EdosLivros/JDACT