jdact
Nada mais natural do que um número natural. Nos alvores
da aritmética
«Como tudo na vida, também os números primos tiveram uma origem, um nascimento que temos de procurar no próprio início dos sistemas de numeração. Chegaram como números naturais, mas rapidamente se destacaram como números especiais.
Deus criou os inteiros, tudo o resto é obra do homem. Leopold Kronecker (1823-1891), o matemático alemão a quem se atribui esta afirmação, referia-se aos números naturais, que são os que utilizamos ra contar: 1, 2, 3, 4, 5,… Kronecker pretendia com isto dizer que grande parte do edifício matemático se constrói a partir da aritmética elementar. Mas afirmar que Deus nos deu os dez primeiros números é o mesmo que dizer, à parte do contexto religioso, que não há nada mais natural do que um número natural, isto é, que estes números sempre estiveram presentes como parte da natureza que nos rodeia. Não seria muito arriscado supor que o processo de contar se iniciou quando o ser humano abandonou o estado de caçador / colector para iniciar o seu longo percurso como agricultor / criador. Nesse momento, numerosos bens, como grãos de trigo, cabeças de gado ou recipientes, deixaram de ter um uso imediato, para passarem a ser produtos, o que tornou necessário inventar diversos processos de contagens. Imaginemos um pastor que leva o seu rebanho a pastar. Ao regressar, tem de se assegurar de que entram no estábulo tantas cabeças de gado quantas saíram. A forma mais natural de o fazer, se não se dispuser de um sistema de numeração, é arranjar um monte de pedrinhas e ir colocando num saco uma pedra por cada ovelha que sai. Mais tarde, ao regressar, só se tem de ir tirando da bolsa uma pedra por cada ovelha que entra e verificar se as contas batem certas. Trata-se de um processo primitivo de cálculo (recordemos que cálculo vem do latim calculis, pedra) que não requer o conceito de número. Em termos matemáticos actuais, diríamos que o pastor estabelece uma aplicação bijectiva ou biunívoca entre o conjunto de ovelhas e o conjunto de pedras. Se pensarmos que, em matemática, o conceito de aplicação biunívoca entre dois conjuntos só se estabeleceu de forma precisa no século XIX, poderá parecer paradoxal considerar o processo de contar como sendo o mais natural que existe. Na verdade, afirmamos que qualquer coisa é natural, temos a obrigação, pelo menos neste contexto, de estabelecer algumas precisões. Poderíamos entender por natural um processo mental que surge de forma imediata, sem necessidade de reflexão prévia. Mas não é de todo certo que o sistema de contagem com uma bolsa cheia de pedras não requeira em absoluto uma reflexão prévia. Seja como for, o que caracteriza esse sistema é o seu imediatismo quanto ao uso, a finalidade prática a que se destina. Tentar avaliar o grau de reflexão exigido por um processo mental para o classificar ou não como natural pode, portanto, revelar-se uma tarefa demasiado complexa. Neste contexto, ser-nos-á mais útil falar de níveis de abstracção. Quando os chineses falavam das dez mil estrelas que há no céu, não queriam dizer que as tinham contado todas. Num simples relance, o nosso cérebro só é capaz de reconhecer um máximo de cinco objectos. Com quantidades superiores, necessita de encontrar uma estratégia para os contar. A introdução de um sistema de numeração implica um forte processo de abstracção, a ponto de muitos especialistas considerarem que, a par da aprendizagem da linguagem, é um dos maiores esforços mentais que o ser humano realiza ao longo da sua vida. Quando dizemos três, podemos estar a referir-nos tanto a três ovelhas como a três pedras, três casas, três árvores ou três coisas quaisquer. Se tivéssemos de utilizar palavras diferentes para numerar cada um dos objectos a que nos referimos, a sociedade agropecuária teria colapsado à nascença. Três é um conceito abstracto, Uma pura imagem mental que, para subsistir como tal num grupo social, requer uma única palavra e um símbolo como veícu1os de comunicação». In Enrique Gracián, Os Números Primos, Um logo caminho para o infinito, o mundo é matemático, RBA, 2010, ISBN 978-844-737-022-1.
Cortesia de RBA/JDACT
«Como tudo na vida, também os números primos tiveram uma origem, um nascimento que temos de procurar no próprio início dos sistemas de numeração. Chegaram como números naturais, mas rapidamente se destacaram como números especiais.
Deus criou os inteiros, tudo o resto é obra do homem. Leopold Kronecker (1823-1891), o matemático alemão a quem se atribui esta afirmação, referia-se aos números naturais, que são os que utilizamos ra contar: 1, 2, 3, 4, 5,… Kronecker pretendia com isto dizer que grande parte do edifício matemático se constrói a partir da aritmética elementar. Mas afirmar que Deus nos deu os dez primeiros números é o mesmo que dizer, à parte do contexto religioso, que não há nada mais natural do que um número natural, isto é, que estes números sempre estiveram presentes como parte da natureza que nos rodeia. Não seria muito arriscado supor que o processo de contar se iniciou quando o ser humano abandonou o estado de caçador / colector para iniciar o seu longo percurso como agricultor / criador. Nesse momento, numerosos bens, como grãos de trigo, cabeças de gado ou recipientes, deixaram de ter um uso imediato, para passarem a ser produtos, o que tornou necessário inventar diversos processos de contagens. Imaginemos um pastor que leva o seu rebanho a pastar. Ao regressar, tem de se assegurar de que entram no estábulo tantas cabeças de gado quantas saíram. A forma mais natural de o fazer, se não se dispuser de um sistema de numeração, é arranjar um monte de pedrinhas e ir colocando num saco uma pedra por cada ovelha que sai. Mais tarde, ao regressar, só se tem de ir tirando da bolsa uma pedra por cada ovelha que entra e verificar se as contas batem certas. Trata-se de um processo primitivo de cálculo (recordemos que cálculo vem do latim calculis, pedra) que não requer o conceito de número. Em termos matemáticos actuais, diríamos que o pastor estabelece uma aplicação bijectiva ou biunívoca entre o conjunto de ovelhas e o conjunto de pedras. Se pensarmos que, em matemática, o conceito de aplicação biunívoca entre dois conjuntos só se estabeleceu de forma precisa no século XIX, poderá parecer paradoxal considerar o processo de contar como sendo o mais natural que existe. Na verdade, afirmamos que qualquer coisa é natural, temos a obrigação, pelo menos neste contexto, de estabelecer algumas precisões. Poderíamos entender por natural um processo mental que surge de forma imediata, sem necessidade de reflexão prévia. Mas não é de todo certo que o sistema de contagem com uma bolsa cheia de pedras não requeira em absoluto uma reflexão prévia. Seja como for, o que caracteriza esse sistema é o seu imediatismo quanto ao uso, a finalidade prática a que se destina. Tentar avaliar o grau de reflexão exigido por um processo mental para o classificar ou não como natural pode, portanto, revelar-se uma tarefa demasiado complexa. Neste contexto, ser-nos-á mais útil falar de níveis de abstracção. Quando os chineses falavam das dez mil estrelas que há no céu, não queriam dizer que as tinham contado todas. Num simples relance, o nosso cérebro só é capaz de reconhecer um máximo de cinco objectos. Com quantidades superiores, necessita de encontrar uma estratégia para os contar. A introdução de um sistema de numeração implica um forte processo de abstracção, a ponto de muitos especialistas considerarem que, a par da aprendizagem da linguagem, é um dos maiores esforços mentais que o ser humano realiza ao longo da sua vida. Quando dizemos três, podemos estar a referir-nos tanto a três ovelhas como a três pedras, três casas, três árvores ou três coisas quaisquer. Se tivéssemos de utilizar palavras diferentes para numerar cada um dos objectos a que nos referimos, a sociedade agropecuária teria colapsado à nascença. Três é um conceito abstracto, Uma pura imagem mental que, para subsistir como tal num grupo social, requer uma única palavra e um símbolo como veícu1os de comunicação». In Enrique Gracián, Os Números Primos, Um logo caminho para o infinito, o mundo é matemático, RBA, 2010, ISBN 978-844-737-022-1.
Cortesia de RBA/JDACT