quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O Diário Secreto de Ana Bolena Robin Maxwell. «Isabel teve de imediato a consciência da proximidade do corpo de Robin, do calor húmido do seu hálito junto ao rosto, da mão que lhe segurava a cintura, unindo-os como as flores do mesmo ramo»

jdact

«(…) A meio da escada ficara paralisada ao ouvir um gemido distante e lastimoso. Por alguns instantes, pensou tratar-se da sua imaginação, ou melhor, desejou que assim fosse, pois eram queixumes terríveis de um homem cuja existência seria certamente uma extensa agonia. Muitos prisioneiros com menos sorte que ela, estavam encerrados em celas sem janelas, escuras e frias, dormindo sobre palha bolorenta, com as articulações doridas e a pele coberta de pústulas das picadas de pulgas e piolhos. Bom Deus, murmurara repetidamente Isabel, tentando calar aquele som. Ao chegar ao segundo patamar, uma mão surgida das trevas agarrou-lhe o pulso. Voltou-se, sobressaltada, e viu o rosto belo e ousado de Robin Dudley iluminar a escuridão das escadas da torre. Isabel, graças a Deus! Com um enorme suspiro, pois não havia palavras que exprimissem o profundo alívio, e o amor arrebatado que sentia pelo seu velho amigo, apoiou-se no seu peito, deixando que ele lhe abraçasse o corpo trémulo. Agitada por soluços, molhou com as suas lágrimas escaldantes a capa de Robin que a abraçou com força e lhe falou num apressado murmúrio, sabendo ambos que aquele instante furtivo em breve terminaria. Tratam-vos bem?, perguntou. Bastante bem. Isabel fungou, retomando por fim a compostura. E a vós?, espreitou-o à luz vacilante da vela. Robin, estais tão magro, tocou-lhe a face encovada. A comida que nos trazem é boa, mas tenho estado adoentado nas últimas semanas. Não o disse, porém Isabel adivinhou que o seu abatimento se devia à execução de seu pai e irmão mais velhos. Lamento o sucedido a vosso pai e a John. Como estão os outros? Os meus irmãos estão bem. A prisão não é tão horrível quando se está em companhia da família, mas a mim mantêm-me isolado numa cela por baixo daquela em que eles se encontram. Os Dudley tinham sido encarcerados pela sua participação na frustrada conjura para colocar no trono lady Jane Grey, com intenção de que Guilford, seu próprio filho e marido desta, fosse coroado rei. Talvez que, reflectiu Isabel em voz alta, o facto de haverdes sido o único dos vossos irmãos a proclamar Jane rainha, na praça de King’s Lynn, tenha ofendido Maria o suficiente para vos mandar isolar. Que importa!, exclamou Dudley apartando-se relutante do abraço de Isabel e segurando-a a alguma distância. Dizei-me como estais. Se alguma vez alguém esteve preso injustamente, esse alguém fostes vós. Era verdade. O seu próprio encarceramento era o resultado da revolta do jovem Thomas Wyatt, que, no seguimento da sublevação dos Dudleys se tinha oposto ao noivado de Maria com Filipe de Espanha, um príncipe estrangeiro. Mas não será lógico que Maria julgue que eu fui cúmplice, Robin? O objectivo da conjura era depô-la e colocar-me a mim no trono. Sem escutar as razões da própria irmã? Escrevi-lhe várias cartas, implorei-lhe audiências e nenhuma delas foi respondida ou concedida. Aquele maldito espanhol De Quandra, sempre me odiou. Envenena-lhe o espírito contra mim. Porém, nunca encontrarão prova fiável do meu envolvimento na intriga do pobre Wyatt. E quem necessita de uma prova fiável?, murmurou Robin com desalento. É mais provável morrermos pelas palavras falsas do inimigo do que por acusação verdadeira.
O terrível lamento ergueu-se mais uma vez das entranhas da prisão, ecoando na escada escura, como que para recordar aos dois jovens prisioneiros qual seria o seu destino. E as corridas das ratazanas junto aos pés, fê-los estremecer de fria repugnância. Não deveríamos apagar a vela? Se nos encontram juntos aqui, será o nosso fim. Dudley lançou-lhe um olhar desesperado e apagou a vela. A escuridão abateu-se sobre eles como uma cortina de veludo negro que, paradoxalmente, em lugar de amortecer os sons, antes parecia amplificá-los. Temiam que a própria respiração os pudesse denunciar, de modo que se abraçaram de novo. Isabel teve de imediato a consciência da proximidade do corpo de Robin, do calor húmido do seu hálito junto ao rosto, da mão que lhe segurava a cintura, unindo-os como as flores do mesmo ramo. Porém, o que mais a sobressaltou foi o formigueiro que sentiu entre as coxas e que a fez ficar tão afogueada que imaginou poder Robin notá-lo, mesmo na escuridão. Logo foi possuída por um sentimento de culpa e vergonha. Como vão as coisas com Amy?, perguntou então. Imaginou sentir que o abraço de Robin afrouxara um pouco, como se a pergunta sobre a esposa deste lhe tivesse suscitado remorsos. Mas a voz dele era firme, quando lhe respondeu: há quinze dias atrás, permitiram-lhe a ela e as esposas de meus irmãos que nos visitassem. Teme pela minha vida e... Fez uma pausa, como se não desejasse dar a conhecer o pensamento: sente muito a minha falta». In Robin Maxwell, O Diário Secreto de Ana Bolena, Planeta Editora, colecção Tudor 1, 2002, ISBN 978-972-731-131-6.

Cortesia de PEditora/JDACT