domingo, 18 de dezembro de 2016

Poemas de Amor. Organização de Inês Pedrosa. «Amor é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer»

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«Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida, descontente,
repousa lá no Céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste.

lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
alguma cousa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,

roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou.

Amor é fogo que arde sem se ver;
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer;

é um não querer mais que bem querer;
é solitário andar por entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é cuidar que se ganha em se perder;

é querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
e ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar-me, e novas esquivanças,
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá, me esconde
amor um mal que mata e não se vê;

que dias há que na alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê».
In Luís de Camões, in “Sonetos”

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