quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Marquesa de Paiva. João Pedro George. «Dotada de espírito forte e de personalidade rigorosa, com grande olfacto ou intuição para os contactos e os negócios, consegui, reunir energias e foi para Londres, onde seduziu o opulento lord Stanley»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Gulosa de homens ricos, famosos e poderosos, estava sempre à espreita da primeira ocasião de encontrar um grande capitalista ou um herdeiro de sangue azul, com muitos e grandes apelidos, dispostos a arruinar se por ela. Ao longo dos anos, deslumbrou e inebriou altas personagens da sociedade parisiense, que se deixaram apanhar na sua rede e se entregaram a ela com toda a alma. O compositor e pianista Henri Herz, um dos mais requisitados do seu tempo, foi o primeiro a sentir-se impotente contra as suas seduções e a encontrar-se inteiramente à sua mercê: por causa dela desembolsou quase toda a sua fortuna. Para o irmão do pianista, Jacques, que também era sócio do negócio de família (uma conceituada fábrica de pianos e uma sala de espectáculos, a mais concorrida da cidade), a Paiva era o diabo personificado, um autêntico sorvedoiro de dinheiro sem fundo, e tudo fez para malograr as suas intenções, no que foi bem-sucedido, expulsando-a do núcleo dos Herz.
Nos primeiros tempos aguentou-se bem, mas depois teve de empenhar as suas jóias e encontrar alguns aposentos baratos. De regresso aos horrores da prostituição de rua, instalada numa pensão infecta de terceira categoria, viu-se outra vez numa situação difícil, na estaca zero. Reduzida à miséria, privada de qualquer amparo, de ta1 maneira que durante uma doença grave que a subjugou nem sequer podia pagar os remédios, jurou que se levantaria e que ainda seria uma das mulheres mais ricas do seu tempo. Estava tão certa de o conseguir que convenceu o escritor Théophile Gautier, que a conheceu de perto e foi seu confidente, de que no futuro seria proprietária de um dos palacetes mais luxuosos dos campos Elísios, que escreveria uma página da história de Franca e que não lhe faltariam os biógrafos para fazer a narração das suas conquistas.
Dotada de espírito forte e de personalidade rigorosa, com grande olfacto ou intuição para os contactos e os negócios, consegui, reunir energias e foi para Londres, onde seduziu o opulento lord Stanley, futuro primeiro-ministro de Inglaterra, que muito lhe apreciou os encantos. Anos mais tarde, de volta a Paris, foi frequentada por Antoine Alfred Agénor Guiche, mais tarde duque de Gramont, príncipe de Bidache e ministro de Assuntos Exteriores de Napoleão III, e mereceu a ascensão ao cortesanato. Depois conheceu o português Albino Araújo Paiva, nascido em Macau, um malandro acabado que se auto-intitulava marquês, viciado em mulheres e no jogo (por causa disso, levou a mãe, que vivia no Porto à miséria). Quando nada mais lhe restava, convenceu-o a casarem: ela pagava-lhe as dívidas, ele transmitia-lhe o título (depois da aparência física, uma das primeiras coisas antes de chamar a atenção e causar alvoroço era escolher um nome apropriado). Quando não precisou mais dele, abandonou-o à sua sorte e deixou que se suicidasse com um tiro no peito.
As horas que lhe ficavam livres, sem clientes, consagrava-as aos negócios e à pura distracção, passeios a cavalo, compras (escolhia vestidos caros e chapéus e comprava joias), jantares e ópera, de que eta assídua espectadora. Nunca se sentiu só no mundo nem nunca precisou da família. Ninguém sabia o que ela realmente pensava, ninguém sabia o que ia no íntimo da sua alma, nem nunca revelou a sua verdadeira identidade. Que abismos levava dentro dela? Que espaço ocuparia na sua memória a recordação dos primeiros dois anos de vida do filho? E dos pais, que nunca mais viu? Que motivos ocultos terão inspirado a resolução de abandonar o marido e ir para Paris? Que imagens do seu passado lhe apareciam subitamente? Ter-lhe-á pesado alguma vez a consciência? Ter-lhe-á sangrado alguma vez o coração?
A última e a mais preciosa de todas as suas conquistas foi o conde prussiano Guido Henckel von Donnersmarck, um dos grandes milionários da Europa, que a pediu em casamento, poucas pessoas conseguem uma primeira oportunidade e quase nenhumas têm direito à segunda, a marquesa de Paiva teve direito a três (e ainda conseguiu que Roma anulasse o casamento anterior), e lhe ofereceu castelos, palacetes, jóias, obras de arte, riquezas imensas. Com os milhões do alemão, mandou construir, em 1855, um sumptuoso e faustoso palacete nos Campos Elísios, um exemplo maior da arquitectura do Segundo Império, o único que ainda hoje subsiste naquela avenida e que deixou um rasto indelével na memória parisiense (considerado hoje património nacional)». In João Pedro George, Marquesa de Paiva (1819-1884), Publicações dom Quixote, 2015, ISBN 978-972-205-675-5.

Cortesia de PdQuixote/JDACT