sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

O Desejo de Lady Cassandra. Madeline Hunter. «Emma olhou para a amiga no espelho. Está à espera de ser ignorada por alguém? Foi por essa razão que só ontem veio da cidade?»

Cortesia de wikipedia e jdact

Agosto de 1798
«A cada minuto que passa, fico mais aliviada por ser um casamento pequeno, admitiu Emma. Fitou o espelho enquanto a sua criada pessoal lhe colocava mais um adorno na coroa ouro velho. Eu, pelo contrário, a cada minuto que passa, gostaria que fosse maior, declarou Cassandra. Acenou à criada que se afastasse e assumiu o arranjo do toucado. Forrado a seda branca e ornado com pérolas minúsculas e uma discreta pena branca, o adereço era vistoso, mas sem espalhafato, tal como convinha a uma noiva já de idade madura, e não acabada de cursar a sua primeira temporada. A idade de Emma era uma das razões para a dimensão da cerimónia. As outras eram a localização no campo, a dispersão da alta sociedade por todo o reino em Agosto e talvez um certo desejo da parte de Emma de não ser o centro de uma assembleia. Num casamento grande conseguimos evitar as pessoas que desejamos evitar sem sermos óbvias, notou Cassandra ao mesmo tempo que prendia dois ganchos. Claro que você, sendo a noiva, não tem hipóteses de o fazer, mas os convidados sim. Emma olhou para a amiga no espelho. Está à espera de ser ignorada por alguém? Foi por essa razão que só ontem veio da cidade? Por sinal, estava a pensar que provavelmente eu é que terei vontade de evitar alguns dos convidados, desabafou Cassandra com uma gargalhada. Atrasei-me porque o meu irmão insistiu em fazer-me uma visita. É uma boa amiga, por se preocupar com a forma como a sociedade irá receber-me, mas inquieta-se em vão. Os parentes e os amigos do Southwaite nunca o insultariam, nem a si, dessa forma.
Desejou poder partilhar com Emma a razão real que a levara a atrasar a saída de Londres. A amiga tinha muito bom senso e poderia aconselhá-la sobre a melhor forma de lidar com as ameaças que Gerald, o irmão, conde de Barrowmore, tinha feito a respeito da tia Sophie. Há um ano, Emma teria com toda a probabilidade encontrado forma de lhe emprestar o dinheiro que, tão abruptamente, se tornara imprescindível para frustrar os planos nefastos de Gerald. Contudo, seria egoísta da sua parte ensombrar o dia de casamento de uma amiga com histórias infelizes. Emma estava prestes a tornar-se a mais recente condessa de Southwaite e a liberdade que teria para ajudar uma amiga encontrava-se condicionada por deveres maiores. Assim como por um marido que não simpatizava por aí além com a dita amiga. Emma voltou-se para trás. A expressão do rosto sugeria que pressentia o tumulto interior de Cassandra. Puxou a amiga para si e abraçou-a, encostando a cabeça ao seu corpo. Obrigada por ter vindo, mesmo mais tarde do que o planeado. Se não o tivesse feito, teria de me arranjar completamente sozinha, apenas com a criada, e sem ninguém com quem me rir para acalmar os nervos. Cassandra fez-lhe uma festa na cabeça, deslizando a mão pelos caracóis que lhe caíam sobre os ombros. Emma tinha vinte e cinco anos, mais dois do que ela, mas, no que respeitava às coisas mundanas, não era raro Cassandra pensar nela como uma irmã mais nova. Saboreou o abraço, especialmente porque, caso não obtivesse meios para colocar a tia Sophie a salvo de Gerald, não haveria muitos mais.
É a minha melhor amiga, Emma, e que amiga excepcional. Entre as qualidades mais notáveis de Emma constavam a capacidade de discordar sem censurar e de aceitar as escolhas das amigas sem exigir explicações. Não faltaria por nada neste mundo. Pegou na bolsa dela, que tinha pousado em cima da cadeira. E agora, um pouco de cor nos lábios e nas maçãs do rosto. Sabe que não uso pinturas. É só um bocadinho, Emma. Só desta vez, para não ficar com esse ar de fantasma assustado. Emma fez uma careta quando se espreitou no espelho. Estou um bocadinho pálida, não estou? Pareço mesmo um bocadinho assustada? Um bocadinho, é dizer pouco. Além do mais, sem razão nenhuma. Não é que a espere um grande mistério quando forem para o quarto. Ele tem-se comportado como um cavalheiro, esta semana, e mantido as distâncias, para não se dar o caso de sair da sua cama directamente para a cerimónia? Emma corou. Como é que adivinhou? Ele tem-se comportado com toda a discrição. Que desconsolo que não deve ter sido! O rosto de Emma ficou escarlate. Olharam uma para a outra e desataram a rir-se. Deve ser para a deixar ansiosa pela primeira vez oficial, provocou Cassandra. Julgo que a presença das tias e da irmã lhe refreou os ânimos. Passou a ser o paradigma da virtude no dia em que elas chegaram. Isso é porque as tias são umas coscuvilheiras implacáveis. Provavelmente presumem que a única justificação possível para este casamento é a Emma estar grávida. Não me chocaria nada ficar a saber que se revezavam para montar vigilância, à noite, para o apanhar a esgueirar-se para o seu quarto. Hortense deve ter trazido um monóculo especificamente para esse propósito, gracejou Emma com um risinho. Na verdade, é mais provável que Darius não quisesse escandalizar Lydia. Cassandra aplicou um pouco de pintura e espalhou-a pela face de Emma até obter um blush ligeiro. O conde de Southwaite, com quem Emma, dentro de uma hora, estaria casada, tratava a irmã Lydia como uma colegial, embora esta tivesse vinte e dois anos. De forma a preservar a inocência dela, proibira-a de fazer amizade com Cassandra, uma das razões pelas quais esta não nutria particular apreço por ele. Atendendo ao preconceito com que Southwaite a considerava, não esperara receber um convite para o casamento. Era óbvio que Emma levara a melhor. Apesar dos defeitos que tinha, ele amava-a desmesuradamente. Restaria saber se daí a alguns meses continuaria a fazer a vontade à mulher, caso Cassandra ficasse em Inglaterra. Não acreditava que nem uma coisa nem outra viessem a verificar-se. Por esse facto, os preparativos que vivia com Emma tinham algo de enternecedor. Prontinha». In Madeline Hunter, O Desejo de Lady Cassandra, Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-233-534-6.

Cortesia de EASA/JDACT