quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Terceiro Segredo. Steve Berry. «Os seus pensamentos, e depois o seu olhar, concentraram-se na imagem da Senhora que pairava à sua frente. Só ela, Jacinta e Francisco viam a Senhora, mas só ela e a prima a ouviam»


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13 de Julho de 1917. Fátima
«Lúcia olhou para o céu e viu a Senhora a descer. A aparição veio de nascente, como das duas vezes anteriores, emergindo como uma mancha cintilante do céu carregado de nuvens. Não houve um tremor no Seu movimento deslizante. Aproximou-se rapidamente e a Sua forma resplandescente imobilizou-se sobre a azinheira, a dois metros e meio do solo. A Senhora estava de pé, e um brilho mais ofuscante que o do próprio sol envolvia a Sua imagem cristalina. Lúcia baixou o olhar, reagindo àquela beleza deslumbrante. À volta de Lúcia estava uma multidão, ao contrário da primeira vez que a Senhora aparecera, há dois meses. Nessa altura, apenas Lúcia, Jacinta e Francisco andavam pelos campos, a guardar as ovelhas da família. Os primos tinham sete e nove anos. Ela era a mais velha, com dez anos, e tinha consciência disso. À sua direita, Francisco, de calças compridas e barrete, ajoelhou-se. À esquerda, Jacinta, de blusa preta e com um lenço a cobrir-lhe o cabelo escuro, ajoelhou-se também. Lúcia levantou a cabeça e reparou de novo na multidão. As pessoas tinham começado a juntar-se na véspera, muitas vindas das aldeias vizinhas e algumas acompanhadas de crianças aleijadas, na esperança de que a Senhora as curasse. O prior de Fátima declarara que a aparição era uma fraude e exortara todos a afastarem-se. É o Diabo em acção, dissera ele, mas as pessoas não lhe tinham dado ouvidos, e um dos paroquianos até o apelidara de louco, visto que o Diabo nunca incitaria ninguém a rezar. Uma mulher no meio da multidão gritava, chamando impostores a Lúcia e aos primos, jurando que Deus havia de vingar aquele sacrilégio. Manuel Marto, tio de Lúcia e pai de Jacinta e de Francisco, estava atrás deles e Lúcia ouviu-o mandar calar a mulher. Era respeitado em todo o vale por ser um homem que conhecia o mundo para além da serra de Aire. Os seus olhos castanhos argutos e a sua calma eram um conforto para Lúcia. Era bom tê-lo por perto, ali no meio dos desconhecidos. Tentou ignorar as palavras que os presentes gritavam na sua direcção e abstraiu do aroma da hortelã e dos pinheiros e do odor intenso do rosmaninho-silvestre. Os seus pensamentos, e depois o seu olhar, concentraram-se na imagem da Senhora que pairava à sua frente. Só ela, Jacinta e Francisco viam a Senhora, mas só ela e a prima a ouviam. Lúcia achou isto estranho, por que motivo havia Francisco de ser excluído?, mas, durante a Sua primeira aparição, a Senhora esclarecera que Francisco só iria para o Céu depois de rezar muitos terços. Uma brisa suave atravessou o vale grande e fundo conhecido por Cova da Iria. O terreno pertencia aos pais de Lúcia e estava repleto de oliveiras e manchas de verdura. As ervas altas davam um feno excelente e a terra produzia batatas, couves e milho. Muros de pedras empilhadas delimitavam os campos. A maior parte deles já se desmoronara, o que Lúcia agradecia, porque assim as ovelhas podiam pastar à vontade. Tinha a seu cargo guardar o rebanho da família. Jacinta e Francisco haviam sido incumbidos da mesma responsabilidade pelos pais, e nos últimos anos tinham passado muito tempo nos campos, a brincar, a rezar e a ouvir Francisco a tocar flauta. Mas tudo isto mudara há dois meses, quando se dera a primeira aparição. Desde então, tinham sido importunados com perguntas constantes e alvo de troça dos que não acreditavam. A mãe de Lúcia até a levara ao padre da paróquia, obrigando-a a dizer que aquilo era tudo mentira. O padre ouvira o que ela contara e afirmara que não era possível que Nossa Senhora descesse do Céu apenas para recomendar que rezassem o terço todos os dias. Lúcia só encontrava consolo quando estava sozinha e podia chorar livremente por si própria e pelo mundo. O céu escureceu, e as sombrinhas que a multidão abrira para se proteger do sol começaram a fechar-se. Lúcia levantou-se e gritou: tirem o chapéu, que eu estou a ver Nossa Senhora! Os homens obedeceram de imediato e alguns benzeram-se, como que pedindo perdão pela sua indelicadeza. Lúcia virou-se de novo para a visão. O que me quer vossemecê?, perguntou ela. Não ofendas o Senhor nosso Deus, porque Ele já foi muito ofendido. Quero que venhas aqui no décimo terceiro dia do mês que vem e que continues a rezar o terço em honra de Nossa Senhora do Rosário para que haja paz no mundo e a guerra acabe. Só Ela poderá ajudar-vos. Lúcia olhou fixamente para a Senhora. A forma era transparente, etérea, em vários tons de amarelo, branco e azul, e o rosto belo, mas ensombrado pela tristeza. Envergava um vestido até aos pés. Um véu cobria-lhe a cabeça e um rosário que parecia feito de pérolas pendia-lhe das mãos postas. A voz era suave e agradável, sem altos nem baixos, sempre com o mesmo tom reconfortante, como a brisa que continuava a soprar sobre a multidão.
Lúcia encheu-se de coragem e disse: quero pedir-lhe que nos diga quem é e que faça um milagre para que todos acreditem que vossemecê nos apareceu. Continuem a vir aqui todos os meses, neste mesmo dia. Em Outubro, dir-vos-ei quem sou e o que pretendo, e farei um milagre em que todos terão de acreditar. Durante o último mês, Lúcia pensara no que havia de dizer. Muitos tinham-na encarregado de pedir pelos seus entes queridos e por outros que, de tão doentes, nem podiam falar. Lembrou-se de um em especial. Pode curar o filho aleijado da Maria Carreira? Não o curarei, mas farei que consiga ganhar a vida, desde que ela reze o terço todos os dias. Lúcia achou estranho que uma senhora vinda do Céu impusesse condições para conceder misericórdia, mas compreendeu que a devoção era necessária. O padre da paróquia sempre afirmara que era esta a única maneira de alcançar a graça de Deus. Sacrifiquem-se pelos pecadores, acrescentou a Senhora. E digam muitas vezes, sobretudo quando fizerem algum sacrifício: ó Jesus, isto é pelo Teu amor, pela conversão dos pecadores e para reparar as faltas cometidas contra o Imaculado Coração de Maria. A Senhora abriu as mãos e estendeu os braços, irradiando um brilho penetrante que envolveu Lúcia numa onda de calor, como o do sol de Inverno num dia frio. A garota acolheu a sensação e depois reparou que o brilho não se quedou nela nem nos primos; atravessou a terra e o solo abriu-se. Isto era novo e diferente, e Lúcia assustou-se. Um mar de fogo estendia-se diante dela, numa visão terrível. No interior das chamas apareceram formas enegrecidas, como pedaços de carne a rodopiar num caldeirão. Tinham aparência humana, mas não se distinguiam as feições nem os rostos. Saltavam no meio das labaredas, e os seus movimentos eram acompanhados por gritos e gemidos tão lancinantes que Lúcia sentiu um calafrio na espinha. As pobres almas pareciam despojadas de peso e de equilíbrio e estavam completamente à mercê do fogo que as consumia. Surgiram também formas animalescas, algumas das quais Lúcia reconheceu, mas todas tinham um aspecto medonho. Eram demónios, alimentavam as chamas. Lúcia sentia-se aterrada e viu que Jacinta e Francisco também estavam assustados. Tinham os olhos marejados de lágrimas, e ela queria consolá-los. Se não fosse a Senhora, que pairava diante deles, também se teria descontrolado. Olhem para Ela, segredou Lúcia aos primos». In Steve Berry, Terceiro Segredo, Publicações dom Quixote, 2005, ISBN-978-972-202-914-8.

Cortesia de PdomQuixote/JDACT