sábado, 31 de dezembro de 2016

O Substituto no 31. Philippa Gregory. «Ele não sabia onde estava ou quem o mantinha cativo. Não sabia que acusação enfrentaria. Não sabia qual seria a punição. Não sabia se seria espancado, torturado ou morto»


wikipedia e jdact

Castelo Sant’Angelo. Roma. 1453
«As batidas na porta o fizeram despertar, como se uma arma disparasse à sua frente. Atrapalhado, o jovem pegou a adaga, por baixo do travesseiro, os pés descalços tocando o chão de pedra gelada. Sonhara com os pais, com seu antigo lar, e cerrou os dentes tentando suprimir o doloroso desejo de recuperar tudo que havia perdido: a casa de fazenda, a mãe, a antiga vida. A batida forte soou outra vez, e ele escondeu a adaga nas costas enquanto destrancava a porta e abria uma fresta, com cuidado. Uma figura encapuçada estava parada do lado de fora, flanqueada por dois homens corpulentos que carregavam archotes acesos. Um deles levantou a tocha para iluminar o jovem magro, nu da cintura para cima, vestindo apenas calções, piscando os olhos castanhos sob a franja de cabelos escuros. Aparentava ter 17 anos, o rosto doce de um menino, mas o corpo de um homem, forjado pelo trabalho árduo. Luca Vero? Sim. Deve vir comigo. Eles perceberam sua hesitação. Não seja tolo. Nós somos três, e você é apenas um; a adaga que esconde nas costas não nos impedirá. É uma ordem, disse o outro homem, rispidamente. Não um pedido. E jurou obediência. Luca tinha jurado obediência ao mosteiro, não a esses estranhos, mas fora expulso de lá e agora parecia que devia obediência a qualquer um que gritasse uma ordem. Ele foi até à cama e se sentou para calçar as botas, colocando a adaga numa bainha escondida dentro do couro macio. Então vestiu uma camisa de linho e jogou a esfarrapada capa de lã sobre os ombros. Quem são vocês?, perguntou, aproximando-se da porta, receoso. O homem não respondeu, apenas se virou e começou a andar enquanto os dois guardas no corredor esperaram Luca sair da cela e segui-los. Aonde estão me levando? Os dois guardas o acompanharam sem responder. Luca queria perguntar se estava sendo preso, se seria conduzido à execução sumária, mas não se atreveu. Apavorado com a própria pergunta, percebeu que temia a resposta. Sentia que transpirava de medo por baixo da capa de lã, embora o ar estivesse gelado e as paredes de pedra, frias e húmidas. Percebia que os problemas eram graves, os piores que tivera em sua jovem vida. Ainda no dia anterior, quatro homens encapuçados o haviam tirado do mosteiro e levado para aquela prisão sem qualquer explicação. Ele não sabia onde estava ou quem o mantinha cativo. Não sabia que acusação enfrentaria. Não sabia qual seria a punição. Não sabia se seria espancado, torturado ou morto. Insisto em ver um padre, quero-me confessar..., tentou.
Eles não lhe deram atenção, apenas o forçaram a seguir pela estreita galeria lajeada de pedras; estava silenciosa, as portas das celas laterais, fechadas. Luca não sabia se aquilo era uma prisão ou um mosteiro, mas era um local muito frio e tranquilo. Passava um pouco da meia-noite, e o lugar parecia imerso em escuridão e no mais absoluto silêncio. Os guias de Luca não fizeram ruído ao atravessar a galeria, descendo as escadas de pedra e passando por um salão para, logo em seguida, descer uma curta escada em espiral, adentrando uma escuridão cada vez mais negra, onde o ar era cada vez mais frio. Exijo saber para onde estão me levando!, insistiu Luca, embora a voz tremesse de medo. Ninguém respondeu, mas o guarda atrás dele se aproximou um pouco. No final da escada, Luca podia ver uma entrada em arco, fechada por uma pesada porta de madeira, que o homem da frente abriu com uma chave tirada do bolso, gesticulando para Luca passar. Quando percebeu sua hesitação, um dos guardas atrás dele apenas se aproximou até que o volume ameaçador de seu corpo impelisse Luca a avançar. Insisto..., sussurrou Luca. Um forte empurrão o fez atravessar a porta, e ele ofegou ao ser atirado na beira de um cais alto e estreito. Um barco se balançava no rio lá em baixo, e a margem oposta era um borrão escuro. Luca se afastou rapidamente da beira, com uma súbita vertigem ao perceber que poderiam atirá-lo dali, para as pedras, com a mesma facilidade com que o levariam pela escada até ao barco. O primeiro homem desceu a escadaria húmida com passos suaves, entrou no barco e disse uma palavra ao barqueiro na proa, que sustentava a embarcação contra a corrente com movimentos habilidosos de um único remo. Depois, voltou o olhar para o belo jovem pálido. Venha, ordenou. Não havia como resistir à ordem, e Luca o seguiu pela escada sebosa, entrou no barco e se sentou na proa. O barqueiro não esperou pelos guardas e levou a embarcação até o meio do rio, deixando que a correnteza os conduzisse ao redor da muralha da cidade. Luca olhou para a água escura. Se ele se jogasse do barco, seria levado pela jusante e, talvez, conseguisse nadar contra a corrente, chegar ao outro lado e escapar. Mas a água passava tão rápido que era mais provável que ele se afogasse, isso se não o seguissem com o barco e o imobilizassem com o remo. Meu senhor, disse, apelando à dignidade. Agora posso saber aonde vamos? Logo saberá. Foi a resposta ríspida». In Philippa Gregory, O Substituto, 2012, Editora Galera Record, colecção Ordem da Escuridão, 2015, ISBN 978-850-140-319-3.

Cortesia de EGRecord/JDACT