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Castelo
Sant’Angelo. Roma. 1453
«As
batidas na porta o fizeram despertar, como se uma arma disparasse à sua frente.
Atrapalhado, o jovem pegou a adaga, por baixo do travesseiro, os pés descalços
tocando o chão de pedra gelada. Sonhara com os pais, com seu antigo lar, e
cerrou os dentes tentando suprimir o doloroso desejo de recuperar tudo que
havia perdido: a casa de fazenda, a mãe, a antiga vida. A batida forte soou
outra vez, e ele escondeu a adaga nas costas enquanto destrancava a porta e
abria uma fresta, com cuidado. Uma figura encapuçada estava parada do lado de
fora, flanqueada por dois homens corpulentos que carregavam archotes acesos. Um
deles levantou a tocha para iluminar o jovem magro, nu da cintura para cima,
vestindo apenas calções, piscando os olhos castanhos sob a franja de cabelos
escuros. Aparentava ter 17 anos, o rosto doce de um menino, mas o corpo de um homem,
forjado pelo trabalho árduo. Luca Vero? Sim. Deve vir comigo. Eles perceberam
sua hesitação. Não seja tolo. Nós somos três, e você é apenas um; a adaga que esconde
nas costas não nos impedirá. É uma ordem, disse o outro homem, rispidamente.
Não um pedido. E jurou obediência. Luca tinha jurado obediência ao mosteiro,
não a esses estranhos, mas fora expulso de lá e agora parecia que devia
obediência a qualquer um que gritasse uma ordem. Ele foi até à cama e se sentou
para calçar as botas, colocando a adaga numa bainha escondida dentro do couro macio.
Então vestiu uma camisa de linho e jogou a esfarrapada capa de lã sobre os ombros.
Quem são vocês?, perguntou, aproximando-se da porta, receoso. O homem não
respondeu, apenas se virou e começou a andar enquanto os dois guardas no
corredor esperaram Luca sair da cela e segui-los. Aonde estão me levando? Os
dois guardas o acompanharam sem responder. Luca queria perguntar se estava
sendo preso, se seria conduzido à execução sumária, mas não se atreveu.
Apavorado com a própria pergunta, percebeu que temia a resposta. Sentia que
transpirava de medo por baixo da capa de lã, embora o ar estivesse gelado e as
paredes de pedra, frias e húmidas. Percebia que os problemas eram graves, os
piores que tivera em sua jovem vida. Ainda no dia anterior, quatro homens
encapuçados o haviam tirado do mosteiro e levado para aquela prisão sem
qualquer explicação. Ele não sabia onde estava ou quem o mantinha cativo. Não
sabia que acusação enfrentaria. Não sabia qual seria a punição. Não sabia se
seria espancado, torturado ou morto. Insisto em ver um padre, quero-me
confessar..., tentou.
Eles
não lhe deram atenção, apenas o forçaram a seguir pela estreita galeria lajeada
de pedras; estava silenciosa, as portas das celas laterais, fechadas. Luca não
sabia se aquilo era uma prisão ou um mosteiro, mas era um local muito frio e
tranquilo. Passava um pouco da meia-noite, e o lugar parecia imerso em
escuridão e no mais absoluto silêncio. Os guias de Luca não fizeram ruído ao
atravessar a galeria, descendo as escadas de pedra e passando por um salão
para, logo em seguida, descer uma curta escada em espiral, adentrando uma
escuridão cada vez mais negra, onde o ar era cada vez mais frio. Exijo saber
para onde estão me levando!, insistiu Luca, embora a voz tremesse de medo. Ninguém
respondeu, mas o guarda atrás dele se aproximou um pouco. No final da escada,
Luca podia ver uma entrada em arco, fechada por uma pesada porta de madeira,
que o homem da frente abriu com uma chave tirada do bolso, gesticulando para
Luca passar. Quando percebeu sua hesitação, um dos guardas atrás dele apenas se
aproximou até que o volume ameaçador de seu corpo impelisse Luca a avançar. Insisto...,
sussurrou Luca. Um forte empurrão o fez atravessar a porta, e ele ofegou ao ser
atirado na beira de um cais alto e estreito. Um barco se balançava no rio lá em
baixo, e a margem oposta era um borrão escuro. Luca se afastou rapidamente da
beira, com uma súbita vertigem ao perceber que poderiam atirá-lo dali, para as
pedras, com a mesma facilidade com que o levariam pela escada até ao barco. O
primeiro homem desceu a escadaria húmida com passos suaves, entrou no barco e
disse uma palavra ao barqueiro na proa, que sustentava a embarcação contra a
corrente com movimentos habilidosos de um único remo. Depois, voltou o olhar
para o belo jovem pálido. Venha, ordenou. Não havia como resistir à ordem, e
Luca o seguiu pela escada sebosa, entrou no barco e se sentou na proa. O
barqueiro não esperou pelos guardas e levou a embarcação até o meio do rio,
deixando que a correnteza os conduzisse ao redor da muralha da cidade. Luca
olhou para a água escura. Se ele se jogasse do barco, seria levado pela jusante
e, talvez, conseguisse nadar contra a corrente, chegar ao outro lado e escapar.
Mas a água passava tão rápido que era mais provável que ele se afogasse, isso
se não o seguissem com o barco e o imobilizassem com o remo. Meu senhor, disse,
apelando à dignidade. Agora posso saber aonde vamos? Logo saberá. Foi a
resposta ríspida». In Philippa Gregory, O Substituto, 2012, Editora Galera Record, colecção
Ordem da Escuridão, 2015, ISBN 978-850-140-319-3.
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