domingo, 25 de dezembro de 2016

As Egípcias. Christian Jacq. «O túmulo do faraó Tutmósis III no Vale dos Reis é de difícil acesso; primeiro temos de subir uma escada de metal instalada pelo Serviço das Antiguidades e depois introduzirmo-nos num estreito túnel que penetra pela rocha adentro»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Os primeiros gregos que visitaram o Egipto ficaram chocados com a autonomia concedida às egípcias; o geógrafo Diodoro Sicília chega a afirmar, confuso, que a mulher egípcia tem plenos poderes sobre o marido, o que fez crer erradamente na existência de um matriarcado nas margens do Nilo. É certo que a mãe do faraó ocupa uma posição central no processo do poder; é certo que conhecemos numerosas inscrições em que o filho cita o nome da mãe e não o do pai; é certo que muitas vezes os grandes personagens fazem figurar o nome da mãe nos seus túmulos, ou seja, para todo o sempre. Mas estes indícios não nos permitem deduzir a existência de um poder feminino abusivo. Na realidade, no Egipto dos faraós não existiu nenhuma tirania exercida por um dos sexos em detrimento do outro. Constatação essencial, houve egípcias que exerceram as mais altas funções de Estado, o que não acontece na maior parte das democracias modernas. Como veremos, o papel político e social das mulheres foi determinante ao longo de toda a História do Egipto. Graças a um notável sistema jurídico, a mulher e o homem eram iguais por direito e de facto; a este estatuto legal, que só foi posto em causa no reinado dos Ptolomeus, soberanos gregos, acrescentava-se uma verdadeira autonomia, posto que a egípcia não estava submetida a nenhuma tutela.
Esta igualdade entre o homem e a mulher não se impôs à partida apenas como um valor fundamental da sociedade faraónica mas perdurou enquanto o país se manteve independente. É inegável que as egípcias beneficiaram de condições de vida muito superiores às que milhões de mulheres conhecem hoje; em certos campos, como o da espiritualidade, as cidadãs dos países ditos desenvolvidos não obtiveram as mesmas capacidades institucionais que as egípcias. De facto, actualmente é impossível imaginar uma papisa, uma grande rabina ou uma reitora de uma mesquita, ao passo que muitas egípcias ocuparam o topo de certas hierarquias sacerdotais. O que impressiona o observador que começa a interessar-se pela arte egípcia é o imenso respeito pela mulher. Bela, serena, luminosa, ela contribuiu da maneira mais activa para a construção diária de uma civilização que cultivou a beleza, nomeadamente a feminina. Esta beleza perturbou os primeiros cristãos: temerosos da sedução das egípcias, destruíram inúmeras representações de mulheres ou cobriram-nas de gesso para se furtarem ao seu olhar.
Felizmente, numerosas filhas do Nilo escaparam às múltiplas formas de vandalismo e continuam a encantar-nos. Quem poderia resistir à soberana atracção das grandes damas do tempo das pirâmides, à graça das elegantes da Tebas do Novo Império, ao seu sorriso divino e ao amor da vida que elas encarnam? Ao longo destas páginas iremos conhecer rainhas, desconhecidas, mulheres de poder, trabalhadoras, sacerdotisas, servas, esposas, mães; nenhuma delas poderia chamar-se Senhora António Silva, o que suporia o aniquilamento do seu nome próprio, do seu apelido e um total apagamento por detrás do marido. A mulher egípcia afirmou o seu nome e a sua personalidade, sem no entanto entrar em competição com o homem, porque pôde exprimir plenamente a sua capacidade de ser consciente e responsável. O Egipto faraónico, a que só temos acesso a partir de 1822, data da decifração da linguagem hieroglífica por Champollion, continua a surpreender-nos; o estudo da condição feminina faz parte precisamente das áreas em que os avanços da sociedade egípcia são particularmente notáveis. Partir ao encontro das egípcias é uma aventura fascinante, recheada de surpresas; da mulher de um faraó a uma superiora dos médicos, de uma mulher de negócios a uma cantora do deus, tantos rostos que traçaram um caminho de uma riqueza e de um esplendor ainda sem igual.

Mulheres no poder
O túmulo do faraó Tutmósis III no Vale dos Reis é de difícil acesso; primeiro temos de subir uma escada de metal instalada pelo Serviço das Antiguidades e depois introduzirmo-nos num estreito túnel que penetra pela rocha adentro. Os claustrófobos vêem-se obrigados a desistir; mas o esforço é recompensado porque, no fim da descida, descobrimos duas salas: uma de tecto baixo com paredes decoradas com figuras de divindades, e outra mais vasta, a Câmara da Ressurreição. Nas suas paredes, os textos e as cenas do Amduat, O Livro da Câmara Oculta, revela as etapas da essurreição do Sol nos espaços nocturnos e a transmutação da alma real no Além. Num dos pilares, uma cena surpreendente: uma deusa saída de uma árvore amamenta Tutmósis III. Amamentado deste modo para a eternidade, o faraó é regenerado para sempre. O texto hieroglífico indica-nos a identidade desta deusa de inexaurível generosidade: Ísis. Mas Ísis é também o nome da mãe terrena deste rei, uma mãe cujo rosto foi preservado numa estátua descoberta no famoso esconderijo do templo de Carnaque: de faces cheias, tranquila e elegante, a mãe real Ísis exibe longas tranças e um vestido de alças. Está sentada, com a mão direita sobre a coxa e tem na mão esquerda um ceptro floral. Apenas sabemos que o filho a venerava e que tinha o nome da mais célebre das deusas do Antigo Egipto». In Christian Jacq, As Egípcias, Edições ASA, 2002, ISBN-978-972-413-062-0.

Cortesia de EASA/JDACT