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A criação de uma futura Rainha (1085-1095)
«(…) O facto de toda a família do avô paterno de Teresa se trasladar
para lá, permite-nos pensar que as pessoas implicadas nesse acto tinham uma
grande importância social, até sobre algum tipo de relação de parentesco da linhagem
proprietária do mosteiro com os monarcas. Sabe-se que já então Santo André era um
mosteiro familiar e dúplice, isto é, um lugar onde membros de uma mesma família
entravam na religião. Isso acontecia geralmente no caso de antigas linhagens que
tinham perdido parte das rendas de outrora e procuravam desse modo preservar-se
de uma possível decadência económica. Isso explicaria porque é que, no momento em
que surgiu a relação entre Jimena e o rei, a sua família já não era uma das mais
vistas na corte.
Em 1088, Muño Muñiz, governador do castelo de Ulver em 1080, aparece a
desempenhar pela primeira vez o cargo da tenência do Bierzo, de categoria maior.
Foi uma ascensão paru a qual teria contribuído a relação de Jimena com o rei? A
verdade é que, a partir de então, os documentos mostram um desenvolvimento da sua
carreira. É possível que Elvira e Teresa permanecessem com a mãe, uma vez que nenhum
documento as menciona ainda por aquelas datas, se bem que esta ausência não deva
ser tomada como sinónimo de marginalização. Demorarão seis anos ainda a
aparecer, mas quando isto acontece, são tratadas com gentileza, pois neles
nunca se faz alusão à sua ilegitimidade [...], como também não se menciona Jimena.
O que à primeira vista poderia parecer uma falta de respeito à mãe, constitui, segundo
o costume medievo hispânico, uma forma de legitimação encoberta. Nem sequer a
infanta Urraca, primogénita do rei, aparece nesses anos nas cartas da
chancelaria do seu pai. Será preciso esperar por 1091para que um documento privado
se refira a ela como casada com o conde dom Raimundo, o que significa talvez que,
próximo dos doze anos, se tenha realizado o casamento que concretizava os esponsais
de anos antes. O silêncio sobre a mui amada do rei e o seu pequeno círculo familiar
começará a romper-se em finais de 1092, algo que coincide com a provável degradação
do estado de saúde da rainha Constança. Num documento de venda ao mosteiro de
São Pedro de Montes, assinado a 27 de Novembro de 1092, para descrever os limites
de uma propriedade, dizia-se que uma delas coincidia com as de dona Jimena,
denominação sem o patronímico e com o dona à frente do nome, que costumava dar-se
exclusivamente quando a personagem em questão era sobejamente conhecida e além do
mais prestigiada, muito diferente da forma como ela tinha aparecido pela primeira
vez na documentação, em 1085, enquanto Afonso se encontrava em Toledo, e na
qual era denominada Jimena Muñiz, sem mais.
Três meses depois, exactamente a 7 de Fevereiro de 1093, Jimena Muñiz aparece
num outro documento como titular da tenência do castelo de Ulver. É um dado muito
importante. Em primeiro lugar porque confirma a relação, quase com segurança de
parentesco, entre o anterior tenente, Muño Muñiz, e ela, mas sobretudo porque um
cargo desse tipo quase nunca se outorgava a uma mulher. A verdade é que se tratava
de uma tenência, secundária, incluída na do Bierzo, mas mesmo assim constituía uma
altíssima honra para uma mulher que até esse momento tinha aparecido na
documentação só confirmando algumas doações. Os historiadores que situam o nascimento
de Elvira e Teresa antes de 1080 pensam que se tratou de um ressarcimento do
rei por ter tido de abandonar Jimena para poder casar com Constança. Para eles,
aquela tinha sido a mulher de perdição da qual o papa Gregório VII tinha
obrigado o rei a separar-se para casar com a sobrinha do abade de Cluny. Mas sabe-se
que quem o papa criticava, sem a nomear, era a rainha Constança, pelo facto de se
ter unido em matrimónio a um homem que antes tinha estado casado com uma prima sua.
Os que situam a vinda ao mundo das duas infantas por volta de 1090, pelo
contrário, consideram que essa tenência seria o pagamento das arras,
outorgado pelo rei para dar um aspecto jurídico à união com Jimena, que tinha tido
lugar pouco tempo antes. Poder-se-ia pensar, talvez com maior fundamento, que foi
uma espécie de compensação económica à mãe pela separação das suas duas filhas,
dada a sua trasladação para a corte, como preparação para um próximo
compromisso matrimonial das duas infantas». In Marsilio Cassotti, D.
Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio
Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.
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