domingo, 18 de dezembro de 2016

A Primeira Rainha de Portugal. Dona Teresa. Marsilio Cassotti. «Os que situam a vinda ao mundo das duas infantas por volta de 1090, pelo contrário, consideram que essa tenência seria o pagamento das arras, outorgado pelo rei para dar um aspecto jurídico à união com Jimena, que tinha tido lugar pouco tempo antes»

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A criação de uma futura Rainha (1085-1095)
«(…) O facto de toda a família do avô paterno de Teresa se trasladar para lá, permite-nos pensar que as pessoas implicadas nesse acto tinham uma grande importância social, até sobre algum tipo de relação de parentesco da linhagem proprietária do mosteiro com os monarcas. Sabe-se que já então Santo André era um mosteiro familiar e dúplice, isto é, um lugar onde membros de uma mesma família entravam na religião. Isso acontecia geralmente no caso de antigas linhagens que tinham perdido parte das rendas de outrora e procuravam desse modo preservar-se de uma possível decadência económica. Isso explicaria porque é que, no momento em que surgiu a relação entre Jimena e o rei, a sua família já não era uma das mais vistas na corte.
Em 1088, Muño Muñiz, governador do castelo de Ulver em 1080, aparece a desempenhar pela primeira vez o cargo da tenência do Bierzo, de categoria maior. Foi uma ascensão paru a qual teria contribuído a relação de Jimena com o rei? A verdade é que, a partir de então, os documentos mostram um desenvolvimento da sua carreira. É possível que Elvira e Teresa permanecessem com a mãe, uma vez que nenhum documento as menciona ainda por aquelas datas, se bem que esta ausência não deva ser tomada como sinónimo de marginalização. Demorarão seis anos ainda a aparecer, mas quando isto acontece, são tratadas com gentileza, pois neles nunca se faz alusão à sua ilegitimidade [...], como também não se menciona Jimena. O que à primeira vista poderia parecer uma falta de respeito à mãe, constitui, segundo o costume medievo hispânico, uma forma de legitimação encoberta. Nem sequer a infanta Urraca, primogénita do rei, aparece nesses anos nas cartas da chancelaria do seu pai. Será preciso esperar por 1091para que um documento privado se refira a ela como casada com o conde dom Raimundo, o que significa talvez que, próximo dos doze anos, se tenha realizado o casamento que concretizava os esponsais de anos antes. O silêncio sobre a mui amada do rei e o seu pequeno círculo familiar começará a romper-se em finais de 1092, algo que coincide com a provável degradação do estado de saúde da rainha Constança. Num documento de venda ao mosteiro de São Pedro de Montes, assinado a 27 de Novembro de 1092, para descrever os limites de uma propriedade, dizia-se que uma delas coincidia com as de dona Jimena, denominação sem o patronímico e com o dona à frente do nome, que costumava dar-se exclusivamente quando a personagem em questão era sobejamente conhecida e além do mais prestigiada, muito diferente da forma como ela tinha aparecido pela primeira vez na documentação, em 1085, enquanto Afonso se encontrava em Toledo, e na qual era denominada Jimena Muñiz, sem mais.
Três meses depois, exactamente a 7 de Fevereiro de 1093, Jimena Muñiz aparece num outro documento como titular da tenência do castelo de Ulver. É um dado muito importante. Em primeiro lugar porque confirma a relação, quase com segurança de parentesco, entre o anterior tenente, Muño Muñiz, e ela, mas sobretudo porque um cargo desse tipo quase nunca se outorgava a uma mulher. A verdade é que se tratava de uma tenência, secundária, incluída na do Bierzo, mas mesmo assim constituía uma altíssima honra para uma mulher que até esse momento tinha aparecido na documentação só confirmando algumas doações. Os historiadores que situam o nascimento de Elvira e Teresa antes de 1080 pensam que se tratou de um ressarcimento do rei por ter tido de abandonar Jimena para poder casar com Constança. Para eles, aquela tinha sido a mulher de perdição da qual o papa Gregório VII tinha obrigado o rei a separar-se para casar com a sobrinha do abade de Cluny. Mas sabe-se que quem o papa criticava, sem a nomear, era a rainha Constança, pelo facto de se ter unido em matrimónio a um homem que antes tinha estado casado com uma prima sua.
Os que situam a vinda ao mundo das duas infantas por volta de 1090, pelo contrário, consideram que essa tenência seria o pagamento das arras, outorgado pelo rei para dar um aspecto jurídico à união com Jimena, que tinha tido lugar pouco tempo antes. Poder-se-ia pensar, talvez com maior fundamento, que foi uma espécie de compensação económica à mãe pela separação das suas duas filhas, dada a sua trasladação para a corte, como preparação para um próximo compromisso matrimonial das duas infantas». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

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