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Sabe onde há uma farmácia?, perguntei, mas sem sequer olhar para ele, empenhada
como estava num rápido afastamento que poderia abolir o contacto. No Corso Garibaldi,
respondeu-me enquanto restabelecia um mínimo de distância entre a massa compacta
do seu corpo ossudo e eu. Naquele momento estava como que colado, com a sua camisa
branca e o casaco escuro, à fachada do Albergo dei Poveri. Vi-o pálido, bem
barbeado, sem espanto no olhar, que não me agradou. Agradeci quase com a ponta dos
lábios e corri na direcção que me tinha indicado. Ele seguiu-me com a voz, que
transformou de cortês num sibilar insistente e cada vez mais ordinário. Fui
atingida por um jorro de obscenidades em dialecto, um mórbido regato de sons que
envolveu num misto de sémen, saliva, fezes, urina, dentro de orifícios de todo o
género, eu, as minhas irmãs, a minha mãe. Voltei-me de repente, tanto mais estupefacta
quanto os insultos não tinham razão. Mas o homem já lá não estava. Talvez tivesse
atravessado a rua e se tivesse perdido entre os automóveis, talvez tivesse virado
a esquina para Sant’Antonio Abate. Lentamente, deixei que as batidas do coração
se regularizassem e desaparecesse uma desagradável pulsão homicida. Entrei na farmácia,
comprei uma embalagem de tampões e voltei ao bar.
Cheguei
de táxi ao cemitério, mesmo a tempo de ver o caixão descer a um tanque de pedra
cinzenta, que foi depois cheio de terra. As minhas irmãs foram-se embora logo a
seguir ao enterro, de automóvel, com os respectivos maridos e filhos. Não viam a
hora de voltar para casa e esquecer. Abraçámo-nos e prometemos voltar a ver-nos
em breve, mas sabíamos que tal não sucederia. Trocaríamos no máximo alguns telefonemas
para avaliar de vez em quando a crescente taxa de recíproco afastamento. Há anos
que vivíamos as três em cidades diferentes, cada uma com a sua vida e um passado
comum que não nos agradava. As raras vezes que nos víamos, preferíamos calar tudo
aquilo que tínhamos a dizer umas às outras. Depois de ficar só, pensei que o tio
Filippo me convidaria para sua casa, onde tinha estado hospedada nos dias anteriores.
Mas não o fez. Tinha-lhe dito de manhã que precisava de ir a casa da minha mãe,
tirar os poucos objectos de valor afectivo, cancelar o contrato do aluguer, da luz,
do gás, do telefone, e ele provavelmente pensara que era inútil convidar-me. Afastou-se
sem me cumprimentar, curvado, em passo arrastado, consumido pela
arteriosclerose e por aquele imprevisto enfarte de velhos rancores que lhe faziam
vomitar insultos fantasiosos.
Fiquei
assim esquecida na estrada. A multidão dos parentes refluíra para a periferia de
onde tinha vindo. A minha mãe fora enterrada por coveiros mal-educados no fundo
de uma cave que cheirava mal, a cera e a flores murchas. Eu tinha dores de rins
e cólicas no ventre. Decidi-me de má vontade: segui ao longo do muro quente do Orto
Botanico até à Piazza Cavour, num ar que se tornava mais pesado devido aos
gases dos automóveis e ao zumbido de sons dialectais que eu decifrava contra a vontade.
Era a língua da minha mãe, que tentara inutilmente esquecer junto com tantas
outras coisas suas. Quando nos víamos em minha casa, ou eu vinha a Nápoles para
visitas rapidíssimas de meio dia, ela esforçava-se por usar um trabalhoso italiano,
eu resvalava com aborrecimento, só para a ajudar, no dialecto. Não um dialecto alegre
ou nostálgico: um dialecto sem naturalidade, usado imprecisamente, pronunciado de
maneira forçada como uma língua estrangeira mal sabida. Nos sons que eu articulava
pouco à vontade, havia o eco das disputas violentas entre Amalia e o meu pai,
entre o meu pai e os parentes dela, entre ela e os parentes do meu pai. Perdia a
paciência. Voltava rapidamente ao meu italiano, e ela acomodava-se no seu dialecto.
Agora que estava morta e que teria podido apagá-lo para sempre, junto com a memória
que veiculava, senti-lo nos meus ouvidos causava-me ansiedade. Usei-o para
comprar uma pizza frita recheada de requeijão. Comi com prazer, depois de dias
de quase jejum, em pé, deambulando por jardins desfigurados por miseráveis loendros
e vagueando com o olhar por entre os numerosos velhos em grupos. O vaivém obsessivo
de pessoas e automóveis por trás dos jardins decidiu-me a ir a casa da minha mãe.
O apartamento de Amalia ficava situado no terceiro andar de um velho edifício coberto
com tubos de andaimes Innocenti». In Elena Ferrante, Um Estranho Amor, 1995,
Publicações dom Quixote, Lisboa, 2005, ISBN 972-202-879-0.
Cortesia de
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