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«Os dados estavam lançados, tanto para o édito de expulsão, como para a
sua transmutação em baptismo forçado, pois que as desvantagens para o reino
eram inultrapassáveis. Dar a expulsão dos judeus a Espanha com uma mão e
retê-los no país com a outra seria o ideal. E foi justamente isso que Manuel I fez:
- decretou a expulsão em Dezembro de 1496 e baptizou-os à força na Páscoa de 1497.
O Edito régio colocava, pela primeira vez em Portugal, em termos de
exclusão a relação entre cristãos e judeus:
- "(...) sendo Nós muito certo, que os Judeus e Mouros obstinados no ódio da Nossa santa Fé Católica de Cristo Nosso Senhor, que por sua morte nos remiu, têm cometido, e continuadamente contra ele cometem grandes males, e blasfémias em estes Nossos Reinos, as quais não tão somente a eles, que são filhos de maldição, enquanto na dureza de seus corações estiverem, são causa de mais condenação, mais ainda a muitos Cristãos fazem apartar da verdadeira carreira, que é a Santa Fé Católica; por estas, e outras mui grandes e necessárias razões, que Nos a isto movem, que a todo Cristão são notórias e manifestas, havida madura deliberação com os do Nosso Conselho, e Letrados, Determinamos, e Mandamos, que da publicação desta Nossa Lei, e Determinação até por todo o mês de Outubro do ano do Nascimento de Nosso Senhor de mil quatrocentos e noventa e sete, todos os Judeus, e Mouros forros, que em Nossos Reinos houver, se saiam fora deles, sob pena de morte natural, e perder as fazendas, para quem os acusar.
Obviamente, não eram verdadeiros os pressupostos invocados por Manuel I
de que os judeus estivessem a apartar os cristãos da sua fé. Também não
confessava o rei que decidira contra a justificada vontade dos seus
conselheiros, embora tenha utilizado essa consulta para sancionar a sua decisão
pessoal.
Finalmente, os mouros, que foram acrescentados à exigência castelhana
de expulsar os judeus, eram uma manifesta vontade de agradar aos Reis
Católicos, como o comprova o facto de não terem constituído alvo considerável
do baptismo forçado, dos motins antijudaicos e das perseguições da Inquisição
(maldita).
No ano seguinte, o rei português reuniu o seu Conselho em Estremoz e
avançou com a proposta de se retirarem aos judeus os filhos menores de catorze
anos, para serem baptizados. Esta fanática decisão de Manuel I teria a oposição
de boa parte dos seus conselheiros, entre os quais se destacaria Fernando Coutinho,
regedor das justiças e futuro bispo de Silves, que não acreditava que os judeus
pudessem verdadeiramente converter-se à fé católica pelo baptismo forçado. Esta
súbita obstinação do rei, que não recuou perante os justificados argumentos dos
conselheiros que se lhe opunham, originou um drama indescritível. As mães apertavam
seus filhos, que lhes eram vilmente roubados, preferindo matá-los por asfixia ou
afogamento nos poços do que entregá-los à barbaridade cristã. A violência não
afectou apenas os menores de catorze anos, como o próprio rei estipulara,
chegando a ser tomados judeus de vinte anos de idade. O humanista Damião de
Góis, conhecedor das Cortes de Inglaterra, Escócia, Dinamarca, Suécia, Noruega,
Polónia e Rússia, que privara com Erasmo, Lutero e Melânchton, explicava já na época
por que tinha sido possível decretar a expulsão dos judeus de Portugal:
enquanto os judeus não tinham pátria própria que os defendesse ou vingasse das
atrocidades que lhes moviam no mundo cristão, os mouros tinham reinos onde
viviam muitos cristãos, que estariam à mercê dum eventual desforço muçulmano». In
Breve História dos Judeus em Portugal, Jorge Martins, Nova Vega, colecção
Sefarad, 2011, ISBN 978-972-699-920-1.
continua
Cortesia de Nova Veja/JDACT