jdact e cortesia de wikipedia
Generalidades e Antecedentes
«Quando em Portugal
apareceram as primeiras tentativas de novela histórica, publicadas no ‘Panorama’,
já as principais literaturas europeias haviam produzido as suas obras-primas
deste género, assim como também, por esse mesmo tempo, já a obra de Walter
Scott havia deixado de ser o paradigma e o cânone da novela histórica.
Este retardamento
resultava de duas causas convergentes:
- o atraso da vida social e política no Portugal de então;
- o quase completo alheamento do movimento cultural e artístico europeu em que se vivia no país e do qual o português só tomava consciência quando emigrava.
E para o compreender e
nele participar, mesmo nestas circunstâncias, era condição necessária que pertencesse
à nova geração, àquela que nascera já nos alvores do século XIX. Dentro do
país, a irrequietação literária mantinha-se apenas no prélio pacato em que se
debatiam ‘elmanistas e filintistas’. As ousadias dos mais velhos,
daqueles que promoveram ou acompanharam a revolução de 1820, concentravam-se
todas no campo da política e ainda aí, com timidez e hesitação, proclamando os direitos
do povo em nome da Santíssima Trindade. Herculano, no início da sua carreira
literária, em 1834, escrevia no ‘Repositório Literário’:
- «O movimento intelectual da Europa não passou a raia de um país onde todas as atenções, todos os cuidados estavam aplicados às misérias públicas e aos meios de as remediar. Os poemas, ‘Dona Branca e Camões’, apareceram um dia nas páginas da nossa história literária sem precedentes que os anunciem, um representando a poesia nacional, ‘o romântico’; outro a moderna poesia sentimental do Norte, ainda que descobrindo às vezes o carácter meridional do seu autor. Não é para este lugar, o exame dos méritos e deméritos destes dois poemas; mas o que devemos lembrar é que eles são para nós os primeiros e até agora únicos monumentos de uma poesia mais liberal do que a dos nossos maiores».
Mas ‘Dona Branca e
Camões’ escreveu-os Garrett no exílio. Foi durante a sua primeira estada
em Inglaterra, em 1824, que aprendeu a ver e a sentir «romanticamente» e foi de
lá que veio com o propósito de descobrir no povo e nas tradições populares o
verdadeiro génio nacional da sua pátria que o mesmo era, para os nossos
românticos incipientes, o de instaurar, nestes domínios da Nova Arcádia, o
Romantismo.
«Lembra-se, escrevia
Garrett a Duarte Lessa em 1824, das nossas conversas de Londres sobre antigualhas
portuguesas e o muito que delas se podia aproveitar quem de nossas legendas e
velhas histórias e tradições fizesse o que tão bem fazem ingleses e alemães,
que é vesti-las de adornos poéticos, e sacudir-lhes a poeira dos séculos com bem
assisada escolha e apropriado modo? Pois desde então, e já de mais tempo me
fervia isto na cabeça, não fiz eu senão pensar no jeito com que me haveria para
armar assim uma cousa que se parecesse, mas que de longe, com tanta cousa boa que
por cá há por estas terras de Cristo, e que pelas nossas, de tão ricos que
somos, se esperdiçam e andam a monte, por desacerto de letrados e barbarismos
de ignorantes».
Estas «antigualhas»,
«velhas histórias» e «tradições» cujo aproveitamento literário já de mais tempo
lhe fervia na cabeça, fora-lhe então provavelmente sugerido por Filinto Elísio
que planeara uns ‘Fastos’ portugueses
e para tal obra compusera vários quadros acompanhados de muitas notas. Numa
delas confessou Filinto:
- «Tinha, à imitação de Ovídio, começado estes ‘Fastos’, onde desse conta das nossas festas cristãs das nossas romarias, círios, festejos que as acompanham, e outros ritos que são de nosso uso, quando uma doença, e depois outras ocupações me atalharam de as continuar. Deito este bosquejo a Deus e à ventura; se me constar que agrada, prosseguirei, incluindo nela os avisos que me vierem das pessoas que quiserem concorrer para consagrar num poema nacional os usos dos nossos maiores, ou os que nós instituímos».
Mas certamente o que a
leitura de Filinto nunca lhe sugeriu foi o ser essa a matéria que havia de constituir
uma nova estética literária e ser esse o caminho para a ressurreição do génio
nacional.
Não fosse, porém, a
leitura das ‘Reliques of ancient English Poetry de Thomas Percy, a das
obras de Shakespeare e das de Byron e a dos romances de Walter Scott, não
estivesse Garrett mergulhado no ambiente onde se desenvolvia a poesia
romântica, que as sugestões de Filinto não o teriam tornado poeta dos tempos
novos. Foi por esta época, a do seu exílio em Inglaterra e em França, de 1823 a
1826, quando compôs os poemas ‘Camões e Dona Branca’, todo
namorado das melancolias do romantismo, que Garrett delimitou o âmbito que
viria a ser o do nosso primeiro romantismo, propondo-se a dotar Portugal de uma
literatura nacional e própria “Vamos a ser nós mesmos, vamos a ver por nós, a copiar
a nossa natureza, e deixemos em paz gregos, romãos e toda a outra gente”
cujo fulcro se encontraria na nossa Idade-Média essencialmente conservado na
alma do povo:
- «O que é preciso estudar é as nossas primitivas fontes poéticas, os romances em verso e as legendas em prosa, as fábulas e crenças velhas, as costumeiras e superstições antigas… Por tudo isso é que a poesia nacional há de ressuscitar verdadeira e legítima».
In Castelo Branco
Chaves, O Romance Histórico no Romantismo Português, Instituto de Cultura
Português, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, oficinas Gráficas da
Livraria Bertrand, 1980.
Cortesia do Instituto
Camões/JDACT