sábado, 21 de julho de 2012

A Comunidade Cristã-Nova de Castelo de Vide, 1560 – 1580. Maria Teixeira Pinto e Lucília Ferreira Runa. «A fuga podia ganhar uma maior amplitude quando se abandonava o local de residência e se optava por outros pontos do reino. Um dos locais privilegiados é Lisboa, por ser ‘cidade mais larga’, onde o controle e a pressão sobre os elementos cristãos-novos eram menos eficazes»


Maluda, 1971
jdact

«Em Fronteira, por volta de 1565, foi presa Catarina Lopes, o que levou Nuno Varela, morador na vila , a afirmar que se prendessem os cristãos-novos por ela ensinados, não ficaria nenhum em Fronteira. Devido a este facto, muitos se ausentaram, e se outros deixarem de o fazer deveu-se a suas fazendas. Numa fase posterior (1570-1575) foi a vez da comunidade cristã-nova de Portalegre sofrer uma vaga de prisões.
O desenrolar destes acontecimentos em comunidades com as quais a de Castelo de Vide mantinha contactos regulares, deve ter sido motivo de inquietação para esta ú1tima. O receio revelou-se justificado com a prisão, em 1578, de Manuel Lopes Chaves, a qual destabilizou a comunidade. Muitos se esconderam ou abandonaram a vila ao tomarem conhecimento de1a, chegando mesmo ao extremo de pretenderem abandonar o Reino. Foi o caso de Diogo Fernandes, parente chegado de Manuel Lopes Chaves, que afirmou, antes de partir acompanhado por sua mulher, a Afonso de Cáceres, que aquele os havia de fazer prender a todos. Não era o único a pensar desta forma; muitas das fugas que se registam neste período para fora do reino, coroadas ou não de êxito, ficam a dever-se, pelo menos em grande parte, a este factor.
Tinha fundamento o medo revelado, uma vez que depois da prisão de Manuel Lopes Chaves o número de detenções levadas a cabo na comunidade aumentou de forma significativa. A partir deste momento, os processados funcionam de acordo com uma relação endogâmica, em que se acusam mutuamente, sendo relativamente pequeno o numero de testemunhas de acusação que não se integram na própria comunidade. A constatação desta realidade parece corroborar a afirmação de que os cristãos-novos de Castelo de Vide tinham má fama, ‘porque como prendia um descobriam todos’.
O temor da prisão levava-os a informarem-se, junto daqueles que já tinham passado pelos cárceres do Santo Ofício (maldito), sobre o melhor comportamento a adoptar na ‘Mesa’ face aos inquisidores, ou a tentar subornar, no sentido de lhes ser possibilitada a fuga, meirinhos e familiares do Santo Ofício, bem assim como os carcereiros sobre cuja guarda ficavam, antes de serem transferidos para Évora.
Parece também ser possíve1 estabelecer uma correlação positiva entre as ‘Visitações’ e o movimento de fuga, quer com carácter definitivo. Para o estudo temos conhecimento de, pelo menos, duas ‘Visitações’: Junho de 1562 e Fevereiro de 1579, e sabemos que entre algumas pessoas provocaram apreensão.
As fugas não se concretizaram numa etapa única. Iniciavam-se, por vezes, dentro da própria comunidade, e existem múltiplas referências ao facto de várias pessoas se esconderem em casa de amigos ou conhecidos por terem familiares presos e temerem ser por eles denunciados. A fuga podia ganhar uma maior amplitude quando se abandonava o local de residência e se optava pelo estabelecimento noutros pontos do reino. Um dos locais privilegiados é Lisboa, por ser ‘cidade mais larga’, onde o controle e a pressão exercidos sobre os elementos cristãos-novos eram menos eficazes. Quando o Manuel Lopes Chaves se queixa ao homem de Salónica que lhe tinham levantado falso testemunho, obtém como resposta que ‘quem vivia em terras pequenas tinha esses trabalhos’. Além do mais, a localização geográfica de Lisboa e o facto de ser ponto importante de passagem por razões de ordem comercial, onde era possível estabelecer contactos dos mais diversos, tornava-a o loca1 ideal para preparar a saída do Reino. Vários cristãos-novos de Castelo de Vide se deslocaram para a capital, nela permanecendo por períodos de tempo variáveis, até embarcarem em nau que os conduzisse ao seu destino». In Maria Teixeira Pinto e Lucília Ferreira Runa, A Comunidade Cristã-Nova de Castelo de Vide, 1560 – 1580, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Acta do I Encontro da História Regional e Local, Setembro de 1987.


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