jdact
«A 6 de Dezembro de 1496, Manuel I ordenava a expulsão das minorias judaica
e moura de Portugal. À semelhança do que ocorreria no resto do país, após os
preparativos para a partida, dar-se-ia o regresso como cristãos, à sua casa, à
sua rua... Mas agora a antiga judiaria chamava-se Rua Nova. A sinagoga,
esvaziada dos seus paramentos, livros e candelabros, transformava-se em casa de
habitação aforada a um cristão velho e às vezes, por suprema ironia e
ingenuidade, a um cristão-novo; outras vezes, derrubada, dava lugar a uma
igreja. O cemitério ou ‘adro’ dos judeus transformava-se em rossio ou campo para
cultivo ou em chão de uma nova igreja, como teria ocorrido aqui em Portalegre.
Baptizados, os judeus permaneceram no reino. Manuel I iria tentar com eles
uma política de integração na maioria cristã velha, outorgando-lhes mercês e
privilégios, privilégios, distinguindo alguns com a nobilitação através de uma
carta de limpeza de nascimento; proibindo os casamentos entre cristãos-novos.
No entanto só una minoria se assimilaria pelo sangue à maioria cristã-velha.
Os cristãos-novos permaneciam herméticos às relações familiares com os
cristãos-velhos, embora vivessem a seu lado e os utilizassem como serviçais nas
suas casas, vinhas, herdades e oficinas. A ligação fazia-se numa posição de
domínio e não de igualdade o que era dificilmente tolerado pelo povo que
continuava a ver nos cristãos-novos os antigos judeus.
Convertidos passaram a ter acesso a todos os cargos administrativos eclesiásticos
e universitários que anteriormente lhes eram vedados. O baptismo alcandorara a
minoria que o povo aborrecia e desejava irradiar de Portugal, e viera agravar a
instabilidade social que, desde a segunda metade do século XV, se fazia sentir nas
principais cidades do reino, com levantamentos, aqui e além, contra os judeus e
conversos castelhanos, como depois contra os cristãos-novos, acusados de
heresia. Contra estes e visando uma integração e catequização, João III iria
utilizar uma psicologia de choque e uma metodologia assente no medo, principais
meios usados pelo tribunal da Inquisição (maldita).
Esta só depois do segundo perdão geral, melhor dizendo na década de sessenta
faria a sua entrada em força em Elvas , Portalegre, Castelo de Vide, com
excepção de Fronteira que teria alguns dos seus habitantes cristãos-novos
presos pelo tribunal de Lisboa, quando se preparavam para partir para a
Flandres.
Avizinhavam com os cristãos-velhos quer na Rua Nova, quer em ruas da anterior
cristandade. Assim os cristãos-novos de Elvas continuavam a habitar a antiga judiaria,
a Rua do Alcamim, mas também outras zonas nevrálgicas para o comércio, como
podemos perceber pela própria toponímia:
- rua da Feira,
- a Carreira dos Cavalos à porta de Olivença,
- a rua da porta de Évora,
- a Praça, à porta da praça nova, etc…
A sua onomástica não se distinguia agora da do cristão, exceptuando, num
ou noutro caso, a permanência como alcunha do antigo nome judaico. Convivem com
os cristãos, tomando para padrinhos dos seus filhos, normalmente as pessoas
mais honradas e fidalgas do concelho, ou utilizam-nos em suas casas, oficinas e
herdades como assalariados. Raramente se cruzam pelo casamento.
O agregado familiar estrito manteve-se intacto na sua estrutura. Pais e
filhos solteiros definiam o núcleo da família a que se juntava por vezes um dos
progenitores viúvo de um dos cônjuges. Ao contrário do que se poderia supor, o
baptismo forçado e depois a entrada da Inquisição (maldita) não o alteraram. A
família continuava a afirmar-se pelo elevado número de filhos e pelo cruzamento
entre parentes, o que por vezes originava denúncias que motivaram inquéritos
por parte das autoridades eclesiásticas». In Maria Ferro Tavares, Judeus e
Cristãos Novos no distrito de Portalegre, Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Acta do I Encontro da História Regional
e Local, Setembro de 1987.
Cortesia da FCSHUNL/JDACT