Cortesia de
wikipedia e jdact
Para Eduardo Lourenço e Helder Macedo
«Nesta
linha, a entrada de Portugal para a Europa comunitária, nos anos 80, ainda que
num primeiro momento possa ser vista como um volte-face necessário para
rapidamente nos aliviar de traumas imperiais e neutralizar vagos e complexos
sonhos de reencontro de uma geografia afectiva e cultural portuguesa pela
imagem do antigo império, foi também a maneira politicamente conseguida de
rapidamente passarmos a um tempo pós-colonial, integrando-nos de imediato na
família das antigas metrópoles coloniais, agora nações pós-coloniais, à qual
chegávamos mais uma vez atrasados, mas não à maneira do século XIX, como
convidados menores, e mais tarde, já nos anos 60, como carentes emigrantes
económicos ou como carentes de espaço político e ideológico no nosso próprio
país, enquanto exilados. Nessa época, a Europa éra-nos exterior e nós estávamos
fora dela, mas agora, como notou Eduardo Lourenço, não éramos nós que íamos
para a Europa, mas a Europa que viria até nós, “A Europa connosco” no conhecido
slogan da época que, ao inverter o sentido da busca há séculos feita da
periferia para o centro, nos sentava confortavelmente na mesa das nações
europeias, dando-nos a possibilidade de, com a Europa, nos imaginarmos, de
novo, no centro. Como sublinha Boaventura Sousa Santos, no slogan estava
contida a promessa de que Portugal poderia “construir e consolidar uma
sociedade democrática estável, uma sociedade como as da Europa Ocidental”,
dissipando-se deste modo os receios, dos sectores mais conservadores da
esquerda e da direita, de que Portugal desapareceria submerso às vontades das
grandes potências europeias, assumindo-se portanto que “estar com a Europa”
seria “ser como a Europa”. Mas, na verdade, não era só a Europa que vinha até
nós, acarinhando a nossa jovem democracia para que ela se preservasse bem
comportada e ocidental. Éramos nós também que apresentávamos e integrávamos na
Europa o nosso bilhete de identidade, há muito vivido como singular. Na esteira
de Oliveira Martins, para quem “a nossa História é ininteligível sem o contexto
ibérico, depois europeu, mais tarde mundial”, estudos vários e exposições,
ocupar-se-iam de relacionar a nossa história, os nossos Descobrimentos, o nosso
épico, a nossa epopeia com a Europa. José Mattoso, que na sua abordagem
pioneira, enceta uma revolução de abertura na historiografia portuguesa,
mostrar-nos-ia que “os Descobrimentos não são apenas um acontecimento português
mas também europeu”, cuja amplitude “só se pode compreender (…) quando se
relaciona com a conjuntura económica e demográfica de toda a Europa e com o
sistema de pensamento ou a atitude perante o mundo, característicos da
civilização europeia”. Mas seria, sem dúvida, na literatura que regista esta
viragem e no ensaísmo de Eduardo Lourenço que todas estas problemáticas
identitárias iriam ser por todos nós pensadas e até vividas. Na sua colaboração
na imprensa e nos ensaios reunidos sob o título Nós e a Europa ou as Duas
Razões, Eduardo Lourenço “integra-nos” histórica, mitológica e
literariamente no sistema europeu, ao mesmo tempo que nos mostra claramente
como sempre tínhamos estado culturalmente na Europa. Mas não seria só na nossa
“recente” relação com a “Europa por subtracção”, na brilhante expressão de
Roberto Vecchi para definir a visualização do Portugal pós-colonial e as suas
relações com a Europa, que Eduardo Lourenço se desdobraria de paixão. Nem mesmo
nas interpretações de Portugal enquanto pequeno rectângulo europeu, para o
qual, tão ironicamente, não encontra, à semelhança de tantos outros países
europeus, problemas de identidade, e que se revela no pós 25 de Abril como
espaço de efectivo retorno, ao qual Helder Macedo chamou “a nova fronteira a
explorar”. O problema da nossa identidade começa antes, e de acordo com Eduardo
Lourenço, quando o nosso rei se tornou e definiu a si e ao país como senhor da
Guiné, Etiópia, Índia e, nesta hora de regresso ao cais, é na reflexão sobre os
discursos, mormente literários, que narraram, pensaram e imaginaram o Portugal
que a viagem fez de nós que Eduardo Lourenço se apaixona por “nós” como
Oliveira Martins se tinha tragicamente apaixonado por “Portugal”». In Margarida
Calafate Ribeiro, Uma Outra História de
Regressos: Eduardo Lourenço e a Cultura Portuguesa, Centro de Estudos Sociais,
Universidade de Coimbra, Cátedra Eduardo Lourenço, Universidade de Bolonha, Instituto
Camões, Dezembro de 2007.
Cortesia
de Instituto Camões/JDACT