segunda-feira, 9 de julho de 2012

Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa. Manuel Ferreira. «Os portugueses chegaram à Foz do Zaire em 1482 e, em 1575, fundaram a primeira povoação portuguesa, São Paulo de Assunção de Loanda, hoje capital de Angola. Dos primeiros contactos com o Reino do Congo dá-nos testemunho a correspondência trocada entre os reis do Congo e os reis de Portugal»


jdact e cortesia de wikipedia

Descobertas e Expansão
«A literatura africana de expressão portuguesa nasce de uma situação histórica originada no século XV, época em que os portugueses iniciaram a rota da África, polarizada depois pela Ásia, Oceânia, Américas. A historiografia e a literatura portuguesas, sob a óptica expansionista, testemunham o «esforço lusíada» da época renascentista.
Cronistas, poetas, historiadores, escritores de viagem, homens de ciência, pensadores, missionários, viajantes, exploradores, enobreceram a cultura portuguesa e, em muitos aspectos, colocaram-na ao nível da ciência e das grandes literaturas europeias.
Gomes Eanes de Zurara, João de Barros, Diogo do Couto, Camões, Fernão Mendes Pinto, Damião de Góis, Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira, são alguns dos nomes cujo discurso é alimentado do «saber de experiência feito» alcançado a partir do século XV, em declínio já no século XVII e esgotado no século XVII.
A obra de um Gil Vicente ou, embora escassamente, a de poetas do Cancioneiro, ao lado das «coisas de folgar», foram marcadas pela Expansão ao longo dos «bárbaros reinos». Estamos, assim, a referir uma literatura feita por portugueses, fruto da aventura no Além-Mar, no período renascentista. Hernâni Cidade e outros glorificam-na no espírito da dilatação da «Fé e o Império» (A literatura portuguesa e a expansão ultramarina, 1963 e 1964). Chamemos-lhe a literatura das Descobertas e Expansão.
É evidente que esta literatura, nascida de uma experiência planetária, numa época em que o mundo cristão reconhecia o direito à dominação, à depredação e até à barbárie (a cruz numa mão, e a espada noutra) nada tem a ver com a literatura africana de expressão portuguesa. Este registo destina-se apenas ou, sobretudo, a retermos factos longinquamente relacionados com o quadro cultural e político que, séculos depois, havia de surgir, e é a razão primeira destas páginas.
Quando e como surgiu a literatura africana de expressão portuguesa? E como se desenvolveu?
Os portugueses chegaram à Foz do Zaire em 1482 e, em 1575, fundaram a primeira povoação portuguesa, São Paulo de Assunção de Loanda, hoje capital de Angola. Dos primeiros contactos com o Reino do Congo dá-nos testemunho a correspondência trocada entre os reis do Congo e os reis de Portugal, além de documentos, como os relatórios dos padres jesuítas de Angola. Mas o aparecimento de uma actividade cultural regular na África associa-se intimamente à criação e desenvolvimento do ensino oficial e ao alargamento do ensino particular ou oficializado, à liberdade de expressão e à instalação do prelo, que se registam a partir dos anos quarenta do século XIX.



Literatura Colonial
Com efeito, quatro anos apenas após a instalação do prelo em Angola ocorre a publicação do livro Espontaneidades da minha alma (1849), do angolano, mestiço ao que parece, José da Silva Maia Ferreira, o primeiro livro impresso na África lusófona. O primeiro livro impresso mas não a mais antiga obra literária de autor africano. Por pesquisas que recentemente levámos a cabo é anterior àquele, pelo menos, o poemeto da cabo-verdiana Antónia Gertrudes Pusich, Elegia à memória das infelizes victimas assassinadas por Francisco de Mattos Lobo, na noute de 25 de Junho de 1844, publicado em Lisboa no mesmo ano. Entretanto não será deslocado citarmos o Tratado breve dos reinos (ou rios) da Guiné, escrito em 1594, da autoria do cabo-verdiano André Alvares de Almada; e de origem cabo-verdiana se supõe ser André Dornelas, autor do século XVI, que assina uma descrição da Guiné. E até nós chegou, também, pela pena do historiador António Oliveira Cadornega, o eco de um poeta satírico, o capitão angolano António Dias Macedo, que «tinha sua veya de Poeta».

Se a Deos chamão por tu,
e a el Rey chamão por vós,
como chamaremos nós,
a três que não fazem hum,
que o povo indiscreto, e nú
falto de experiência, fez
em lugar de hum três
que com toda a Cortezia
tú, nem vós, nem Senhoria
merecem suas mercês

Tal, porém, não nos autoriza a remontarmos as origens da poesia angolana a tão recuados tempos, como já, com alguma intemperança, se quis insinuar. Repondo, por isso, a questão com certa objectividade pode afirmar-se que a literatura africana chama a si mais de um século de existência. Este longo período de mais de um século de actividade literária está, porém, contido em duas grandes linhas: a literatura colonial e a literatura africana de expressão portuguesa. A primeira, a literatura colonial, define-se essencialmente pelo facto de o centro do universo narrativo ou poético se vincular ao homem europeu e não ao homem africano. No contexto da literatura colonial, por décadas exaltada, o homem negro aparece como que por acidente, por vezes visto paternalisticamente e, quando tal acontece, é já um avanço, porque a norma é a sua animalização ou coisificação. O branco é elevado à categoria de herói mítico, o desbravador das terras inóspitas, o portador de uma cultura superior. Exemplo: «o único país que pode explorar seriamente a África, é Portugal» (prefácio de Manuel Pinheiro Chagas a Os sertões d’África, 1880, de Alfredo de Sarmento, onde aliás se pode ler sobre o negro: «É um homem na forma, mas os instintos são de fera»). Paradoxalmente, o branco é eleito como o grande sacrificado. A aplicação do ponto de vista colonialista tem no europeu o agente dinâmico e não o opressor: «Fiel aos nossos deveres de dominador, grata ao nosso orgulho, útil às populações», escrevia um homem anti-fascista, Augusto Casimiro (Nova largada, 1929). Predominavam, então, as ideias da inferioridade do homem negro, que teóricos racistas, como Gobineau, haviam derramado e para as quais teria contribuido o filósofo Lévy-Bruhl com a sua tese da mentalidade pre-lógica, sendo certo, embora, que a renunciou pouco antes de morrer». In Manuel Ferreira, Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, Instituto de Cultura Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, 1977.

Cortesia do Instituto Camões/JDACT