sexta-feira, 13 de julho de 2012

Portugal e a Ásia Oriental. João de Deus Ramos. «… fixar-se para Portugal a designação de ‘Grande Reino do Mar Ocidental’, o ”Da Xi Yang Guo”. Esta designação, baseada nas explicações geográficas dos Jesuítas, mostrou-se adequada como nome a dar ao nosso país, perdurando até aos começos do presente século, e mantendo-se em Macau até aos dias de hoje»


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Designações dadas pela China a Portugal
«Quanto julgo saber, a primeira tentativa entre nós de sistematização das designações dadas pelos chineses a Portugal, ficou a dever-se a João Feliciano Marques Pereira, no ‘Ta-Ssi-Yang-Kuo’, “Archivos e Annaes do Extremo-Oriente Português”. No primeiro número desta publicação periódica, que saiu de 1899 a 1900, ao tratar da ‘Razão do Título’, aborda sumariamente os nomes dados a Portugal, e a páginas 43, num texto com o título “Denominações dadas pelos Chinezes ao seu paiz, ao Japão e aos principaes paizes europeus, etc.”, dedica uma página ao caso de Portugal, onde novamente sintetiza o tema.
Um grande passo em frente é dado por Paul Pelliot, no artigo publicado no ‘T'oung Pao’ de 1948, ‘Le Hoja et le Sayyid Husain de l'Histoire des Ming’. Este texto tão importante e tão desconhecido entre nós, em torno da embaixada de Tomé Pires, desenvolve no aparato crítico o que resultava das fontes orientais e ocidentais quanto aos nomes dados pela China a Portugal.
Em 1982, o jesuíta Albert Chan, no livro ‘The Glory and Fall of the Ming Dynasty’, alarga-se, ao falar sobre a extensão de um nome dado às peças de fogo de artilharia, aos portugueses. Esta curiosa circunstância decorre do prestígio militar dos primeiros portugueses nos mares da China e da sua sofisticação técnica no campo da artilharia, em comparação com os chineses.
Muito recentemente, em 1989, Stefania Stafutti, no artigo ‘Portogallo e Portoghesi nelle Fonti cinesi del XVI e del XVII Secolo’, faz a mais completa síntese das designações dadas pela China a Portugal.
Há, naturalmente, muitas outras referências a esta matéria noutros trabalhos, mas os três casos, parecem-me exemplificar o percurso seguido neste século pelos historiadores que procuraram fazer uma sistematização tão completa quanto possível.

Os tipos de designações
São de quatro tipos as designações dadas pela China a Portugal. Ao chegarem aos mares da China, no começo do século XVI os Portugueses foram vistos, a olhos chineses, como ocidentais cujo país de origem não era conhecido com clareza. Como essa chegada, e a questão pôs-se com acuidade aquando da embaixada de Tomé Pires, correspondeu a envolvimentos portugueses com nações do sueste asiático tributárias do Império do Meio, o primeiro nome que nos foi dado corresponde à adaptação para a língua chinesa de uma designação vinda do Próximo e Médio Oriente. A memória das Cruzadas e dos Francos originara a designação “Firinghi” ou “Faranghi” (nas nossas crónicas os “Frangues”) que, pela via do mundo árabe e da Pérsia, chegara aos confins da China. A fonia destes vocábulos deu em chinês “Folangji” ou “Folangxi”, o primeiro nome dado pela China a Portugal. A estrutura da língua e da escrita chinesas, leva a que um mesmo fonema possa ser escrito de várias formas, ou por vários caracteres. Daqui que as três sílabas da palavra “Folanfji(xi)” apareça em chinês com diferentes grafias. A primeira sílaba “Fo”, aparece escrita, entre outros, com o caracter referente a Buda, ou Budismo, e alguns autores quiseram ver nisto a possibilidade de atribuição de um sentido. Mas creio que a preocupação chinesa era fonética (dentro de um leque de possibilidades, uma escolha simplesmente adequada) e que, no caso dos portugueses, não se poderá extrapolar do sentido próprio dos caracteres intenções que não sejam puramente fonéticas. Outro tanto se poderá dizer da última sílaba “ji”, engenho ou máquina, ou “xi”, ocidente, onde também a preocupação fonética é predominante. E também para a sílaba intermédia, “lang”, são utilizados diversos caracteres homófonos.

O segundo tipo decorre da vinda dos missionários para a China. Como é bem sabido, os Jesuítas, ao entrarem na China no último quartel do século XVI, conceberam uma estratégia para a cristianização do Império do Meio em que uma das facetas importantes era a transmissão da ciência ocidental. O objectivo era o de levar os chineses a valorizarem a doutrina cristã uma vez constatada a superioridade científica e tecnológica europeia.
De entre as várias ciências, a geografia e cartografia permitiram aos Inacianos mostrar de onde vinham. Dada a íntima ligação, à época existente, entre o Padroado Português do Oriente e a Companhia de Jesus, pôde então fixar-se para Portugal a designação de ‘Grande Reino do Mar Ocidental’, o ”Da Xi Yang Guo”. Esta designação, baseada nas explicações geográficas dos Jesuítas, mostrou-se adequada como nome a dar ao nosso país, perdurando até aos começos do presente século, e mantendo-se em Macau até aos dias de hoje como termo do conhecimento geral.


Como terceiro tipo, surgem desde os primeiros contactos as fonetizações chinesas do nome de Portugal, ou seja a transliteração para caracteres chineses das três sílabas do nome do nosso país. Tendo novamente em conta a estrutura da língua chinesa, da transliteração resultava em regra um vocábulo de quatro a seis sílabas. ‘Potoulijia’, ‘Poertujialiya’, ‘Pocushtoujialiya’, ‘Poertuhaer’, etc. No presente século, o nome dado a Portugal, “Putaoya”, é deste tipo, numa transliteração sintética e trissilábica.
Finalmente, um último tipo de designações engloba aquelas que têm carácter pejorativo. Muito se fala da xenofobia chinesa, do conceito de superioridade que têm de si próprios e do ‘desprezo’, pelos estrangeiros.
Creio que estas generalizações são perigosas, e têm mais a ver com determinados períodos em que, por razões específicas, esses sentimentos xenófobos vêm à superfície, tal como noutras nações, noutras épocas. Designações pejorativas usadas por alguns povos em relação a outros não é de modo algum monopólio chinês». In João de Deus Ramos, Portugal e a Ásia Oriental, Fundação do Oriente, 2012, ISBN 978-972-785-102-7, Comunicação apresentada à Academia Portuguesa da História, 5 de Abril de 1995.

Cortesia da F. Oriente/JDACT