domingo, 15 de julho de 2012

O Futuro e os seus Inimigos. Uma defesa da Esperança Política. «As velocidades dos movimentos de avanço tornam-se diferentes. Formam-se remoinhos nos quais ficam presas dimensões que não avançam, mas giram ou param, e em que cresce tudo o que para crescer necessita de estabilidade»



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«Do mesmo modo nos parece agora lenta e inflexível a burocracia, na qual Max Weber via um acelerador. A aceleração é sempre um conceito relativo. Pois bem, descrever a nossa sociedade com base unicamente na aceleração é uma simplificação que não tem em conta as suas ambivalências. É preciso começar por reconhecer que, apesar do carácter aceleratório da nossa civilização, há movimentos contrários: com a dinâmica da civilização moderna cresce também a impertinente presença do que não participa imediatamente na sua evolução. Uma coisa não destrói a outra; elas complementam-se reciprocamente. A cultura está suficientemente fragmentada para que os movimentos se diversifiquem. A aceleração do curso da história está ligada à diminuição da sua laminaridade, isto é, da homogeneidade da corrente. As velocidades dos movimentos de avanço tornam-se diferentes. Formam-se remoinhos nos quais ficam presas dimensões que não avançam, mas giram ou param, e em que cresce tudo o que para crescer necessita de estabilidade. As resistências à mudança, as estagnações, a reacção e o esgotamento participam na nossa dinâmica social tanto quanto a aceleração. A crítica ao tempo unificado atribui-lhe com frequência excessivo poder. Do mesmo modo que a experiência do tédio e a aceleração industrial de fins do século XX coincidiram no tempo, a nossa época caracteriza-se pelo facto de que nada permanece mas também nada de essencial muda; é um tempo em que acontecem coisas de mais mas em que ao mesmo tempo nos sentimos fartos de repetições, rituais e rotinas. Daí a suspeita de que por trás da dinâmica de permanente aceleração haja uma paradoxal estagnação da história na qual nada de realmente novo aparece. A esta experiência se referem conceitos como os de ‘esgotamento das energias utópicas’, ‘fim da história’, ‘cristalização cultural’, ou ‘utopia da opção zero’. Como observou Baudrillard, a lógica do ‘post’ descreve precisamente mudanças de época que não correspondem e novos começos, nas quais há uma significativa vinculação recíproca de passado, presente e futuro. As declarações de ‘fim da história’ diagnosticam apenas o fim da história temporalizada da modernidade, isto é, o fim de uma experiência do tempo na qual tanto a evolução histórica como a expansão da personalidade pareciam igualmente dirigidas e governáveis, de acordo com uma lógica sequencial. Seguindo Hartmut Rosa também nesta classificação, poderíamos estabelecer as seguintes categorias da desaceleração:
  • Limites naturais da velocidade. É difícil falar de limites absolutos a respeito da aceleração. Com todas as inovações relativas à velocidade modificaram-se também a nossa percepção e o nosso tipo de comportamento acerca dela; o que parecia patologia transformou-se depois numa nova normalidade;
  • Oásis face à aceleração. Nichos sociais ou culturais que se subtraem parcial ou totalmente à aceleração geral. As dinâmicas sociais não são completas, nem os subsistemas se submetem com docilidade a uma ordem universal de aceleração;
  • Abrandamento como efeito secundário disfuncional, são aquelas formas patológicas da desaceleração, como as estagnações, as depressões, as crises económicas ou as dessincronizações;Desacelerações intencionais, formas de lentidão antimodernas ou alternativas, como apologias da preguiça, as mais famosas são as de Lafargue e de Russell, da serenidade e da resistência às pressas, como a ‘slow food’ e o ócio estético. 
No seu todo, não impugnam a dinâmica social; até podem ser funcionais e meramente compensatórias da aceleração, que dificilmente seria suportável sem elas.

A Cultura da Urgência
Independentemente de a articulação entre os processos de aceleração e as suas resistências ser mais complexa do que o que determinados diagnósticos dão a entender, é evidente que a nossa época promoveu uma cultura generalizada da urgência. Esta cultura não pode ser explicada senão com base em determinada configuração do tempo hegemónico mundial, construído a partir da simultaneidade, da imediatez e da urgência contra um pano de fundo dominante de determinadas lógicas económicas e comunicativas. Na simultaneidade planetária resultante da velocidade de circulação e da redução dos custos da transmissão, o novo não é o intercâmbio de informações, dinheiro, bens e pessoas, ou de ideias e doenças , e grandes distâncias; o novo está na velocidade e na falta de resistência com que esses processos decorrem. Ampliação do espaço e aceleração do tempo são duas características fundamentais do mundo actual». In Daniel Innerarity, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.

Cortesia de Teorema/JDACT