sábado, 7 de julho de 2012

Portugal na Espanha Árabe. António Borges Coelho. «Olhe-se o mapa físico: ergam-se as massas das montanhas, talhem-se os cursos dos rios. Ponteiem-se depois as cidades: primeiro Córdova o farol; depois Sevilha, Toledo, Saragoça, Valência, Silves, Badajoz. É de lá que o vento sopra»



jdact e cortesia de wikipedia

«O cavalo relinchante da Reconquista arrastava nos dentes uma rede larga não tanto e só para cercar as terras, mas antes de mais para ferrar o gado humano que as adubava e rompia. Caçava-se tudo: muçulmanos, berberes, hispanos, árabes, moçárabes.
No Garbe ou Ocidente a primeira bolsa caça-homens e terras marcou-se com a conquista de Coimbra e das praças de Entre Douro e Mondego. Este o primeiro irreparável golpe. Mas o Islão continuava a descer do imensidão da Estrela, a atacar de Leiria e o alternar comércio e luta pela estrada Coimbra-Santarém. A queda desta última cidade e de Lisboa estendeu a rede do Tejo litoral. Milhares de moçárabes e muçulmanos esbracejaram nas malhas e teve de se escoar mais de um decénio para Alcobaça, Óbidos e outras terras estremenhas ficaram bem presas. O tropear dos ginetes foi depois abalado pelos matagais alentejanos: Giraldo Sem Pavor e os seus guerreiros moçárabes esfiaram pouco a pouco os laços que apertavam o Alentejo a Badajoz e a Sevilha. O Guadiana começou então a leste o solitário caminho de fronteira. A última bolsa progrediu como um fecho de correr sobre os castelos que iam de Alcoutim a Algezur.
Os ventos da Conquista-Reconquista não sopravam apenas do norte: vinham de leste, do oeste, do sul, de sudoeste. Olhe-se o mapa físico: ergam-se as massas das montanhas, talhem-se os cursos dos rios. Ponteiem-se depois as cidades: primeiro Córdova o farol; depois Sevilha, Toledo, Saragoça, Valência, Silves, Badajoz. É de lá que o vento sopra. De lá se bombeiam as mercadorias, as armas, os cavalos, os homens. Para lá se acorre em busca de ciência, de civilização e de riquezas.
A ocidente os esteios da Reconquista foram, no século XI e princípios do seguinte, Coimbra; depois Santarém e Évora: e logo Juromenha, Serpa - que sei eu! -, até se cortar a grossa artéria que bombeava de Sevilha. A ofensiva cabia àquele dos competidores que dominava através de praças-fortes a passagem dos grandes rios ou da massa das montanhas. Assim ocorreu no Douro muçulmano cravado a norte pelas praças de Anciães e de Paredes. Assim aconteceu no Mondego, seguro pouco a pouco pela cintura de Condeixa, Ega, Soure e Redinha. Seia fechava o cinturão da Estrela. Quanto ao Tejo norte muçulmano, ei-lo agrafado por Cera (Tomar) e Almourol, que o Tejo cristão vem sustentado por Almada, Palmela, Coruche e, mais adiante, pela ponta de lança, a Évora de Giraldo. O Guadiana está sustido pelas lanças de Serpa, Moura, Arouche, Badajoz.

Não foi o choque frontal dos exércitos por si só, que trouxe a vitória aos estados cristãos. Só quando Fernando Magno e seu filho Afonso VI se propõem aceitar a originalidade social e até religiosa do Islão, só então as conquistas se tornaram irreversíveis.
Os homens de Entre Douro e Mondego ergueram a cruz mediante a iniciativa de Sisnando de Tentúgal, vizir de Sevilha, conde de Coimbra. Governou a nova estrema com poderes soberanos: poder de dar e auferir, de organizar todas as coisas segundo a sua vontade. E a sua vontade consistiu em favorecer os proprietários livres, em firmar a organização colectiva urbano, em recolher as técnicas e a ciência do mundo muçulmano que o formara. Mas Sisnando não estava sozinho. Apoiavam-no as espadas e os alfanges dos proprietários livres de Lamego, de Viseu, de Seia, de Coimbra. A força dos seus homens bastou ao menos para impedir que a toda poderosa hierarquia religiosa impusesse o bispo que esta escolhera.
Aponta-se como objectivo expresso do conimbricense o de integrar o Andaluz nos estados cristãos, respeitando a originalidade e as conquistas sociais, combatendo a intolerância religiosa. Vinte e um anos depois de assumir o governo de Entre Douro e Mondego, Sisnando revela-se um político aceitável para os habitantes do outro lado da fronteira ao negociar a capitulação de Toledo cujo governo assume.
Os toledanos conservam as suas conquistas sociais e até a sua mesquita aljama profanada pouco depois pelo partido franco apesar dos protestos do seu governador: ‘Proceder assim é inutilizar a política empreendida, deter os que já se movem a nosso favor’.
Sisnando ufanava-se do seu título de vizir, do seu passado de ministro na muçulmana Sevilha, embora Afonso VI, anos mais tarde, no foral de Toledo de 1102, perdoando, ameaçasse os toledanos pelo seu ex-moçarabismo e maulismo: ‘Perdoo-vos para que não caiais na antiga sujeição’».
In António Borges Coelho, Portugal na Espanha Árabe, História, Colecção Universitária, Editorial Caminho, 1989, ISBN 972-21-0402-0.

Cortesia de Caminho/JDACT