terça-feira, 17 de julho de 2012

O Domínio do Norte de Samatra. Jorge Santos Alves. «No campo documental dos anais imperiais chineses assinale-se a colectânea chamada dos “Trinta e Quatro Historiadores”, XXXII volume da “História da Dinastia Ming”, contém algumas novidades sobre as relações diplomáticas entre o Império Chinês e Samudera-Pacém»


Combate naval entre uma armada do Achém e Portugueses diante de Malaca, 1578
Manuel Erédia
jdact

Fontes Medievais
Fontes em Árabe
«Nesta alínea, dois textos merecem referência; trata-se, no primeiro caso, do périplo do magrebiano Ibn Batuta (c. 1346), que chegou à China do Sul, e se demorou em Samudera-Pacém à ida e ao regresso. Esse relato prenda-nos com a mais rica descrição estrangeira da vida na corte do sultão, do que representava aquele porto no contexto da região, do Arquipélago Malaio e da Ásia em geral. O testemunho de Battuta encerra ainda a particularidade de ter sido feito nas vésperas das grandes mudanças que se deram em Pacém poucos anos após (c. 1360), e das quais a seu tempo trataremos.
Por entre os mais variados roteiros de navegação da autoria de pilotos e viajantes árabes que se reportam brevemente à Ásia do Sueste, dois se destacam:
  • a obra de Ibn Majid (aliás Shihab al-Din Ahmad bin Majid), mestre navegador, o “Kitab al Fawad'id” (1490); espécie de "enciclopédia de navegação", inclui ,diversos roteiros marítimos ao longo das costas do Índico e dados complementares sobre alguns portos de escala (sendo Samudera-Pacém um deles),
  • o segundo é da autoria de Sulaiman ibn Ahmad (aliás Sulaiman bin Ahmad al-Mahri), e tornou-se conhecido por “Umda” (1511); nele se concede alguma atenção ao norte de Samatra e especialmente ao porto de Barus, na costa ocidental.
Por fim, à guisa de curiosidade e prova do prestígio que os sultões achéns disfrutavam nos meios muçulmanos da Asia marítima, uma crónica escrita no Malabar, em árabe, por finais do século XVI. Redigida por Zaynuddin, ao que parece um indiano convertido ao Islão, o “Tuhfat at-Mujahidin fi ba'd ahwal al-Burtukaliyyin” celebra em mais de uma passagem o sultão Ali Mughayat Syah do Achém (c.1523-1530) como verdadeiro campeão da luta contra os ‘infiéis’ portugueses.

Fontes chinesas e de Ryukyu
A documentação chinesa utilizada foi de dois tipos:
  • os relatos de marinheiros chineses, muçulmanos, das célebres expedições imperiais da dinastia Ming, que sob o comando do eunuco Zheng He devassaram o Índico até, ao canal de Moçambique, entre 1405 e 1433;
  • os anais da dinastia Ming.
Dentro da primeira tipologia, destaca-se o “Yingyai Shenglan de Ma Huan” (1433) à letra ‘Descrição das Costas do Oceano’. As impressões visuais do autor diante do que o circundava em Samudera-Pacém surgem perfeitamente soldadas com os pormenores da vida política e mercante da cidade, e até com uma ou outra alusão a Aru, Lambri e reino dos Batas, no interior da ilha.
A narrativa de Fei Xin, um companheiro de Ma Huan, denominada “Xingcha Shenglan” (1436), literalmente ‘Descrição Geral das Peregrinações pelos Mares’, nada acrescenta de novo relativamente à daquele, limitando-se a ser uma enumeração desordenada de produtos e costumes das gentes do norte de Samatra.
No campo documental dos anais imperiais chineses assinale-se a gigantesca colectânea chamada dos “Trinta e Quatro Historiadores”, que no seu XXXII volume da “História da Dinastia Ming” contém algumas novidades sobre as relações diplomáticas entre o Império Chinês e Samudera-Pacém. Esta fonte inclui ainda um sumário das condições climatéricas, geológicas, produções agrícolas e comércios do Achém.
Mas é sobretudo o “Ming shilu”, espécie de anais da dinastia Ming, que mais nos interessa para o estudo do norte de Samatra. Com efeito, o “Ming shilu”, literalmente ‘Registos Verdadeiros dos Ming’, é constituído por uma panóplia de assuntos, entre os quais, de forma relevante para o nosso estudo, se encontra o registo da chegada e recepção das missões diplomáticas dos potentados e estados vassalos da Ásia do Sueste ao Imperador da China. Como é de esperar também as missões tributárias vindas de Samatra (Aru e Samudera-Pacém em especial) aqui aparecem devidamente registadas. Este registo encerra a particularidade de indicar o nome ou título do sultão que a enviou, permitindo assim reconstituir ou corroborar a cronologia dinástica daqueles estados. Por outro lado, o “Ming shilu” contém ainda o nome do chefe da missão diplomática, os produtos apresentados como tributo, os presentes conferidos pelo Imperador e algumas peripécias ocorridas durante a visita ao Império. Graças a este género de dados é possível aqui e além avançar um pouco mais na história social, política e económica de estados e potentados de Samatra.


No tocante às fontes das ilhas chamadas dos Léquios (ou ilhas Ryukyu, um cordão insular que se estende desde a zona de Taiwan até à distância de algumas centenas de quilómetros da ilha japonesa de Kyushu) dispomos de um pequeno número de fontes históricas interessantes a respeito do relacionamento comercial-marítimo deste reino com a Ásia do Sueste, designadamente com Samudera-Pacém. Foi a participação activa dos homens de negócios léquios nos mercados sueste-asiáticos entre o final do século XIV e o dealbar do século XVI que justificou a existência destes textos». In Jorge Manuel dos Santos Alves, O Domínio do Norte de Samatra, (a história dos sultanatos de Samudera-Pacém e de Achém) 1500-1580, Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 1999, Fundação Oriente, ISBN 972-9326-19-3.

Cortesia de SHI de Portugal/F. Oriente/JDACT