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«Esta conciliação de opostos, todavia, sendo pressentida e dialecticamente
confrontada por Antero, nunca foi levada a uma exegese e síntese final pelo
examinador das "Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século
XIX", e aí, queda em aberto a súmula das suas contradições entre o Real e
o Ideal, entre Coisa e Pessoa, duração e imobilidade, ser espiritual e não-ser
natural..., conforme demonstra Leonardo Coimbra no capítulo que dedica às
correntes contrárias no pensamento de Antero. Se esta vertente antinómica é
bastante sensível no texto inicialmente publicado na ‘Revista de Portugal’, que
Leonardo classifica como "o mais completo e sistemático dos seus [de
Antero] estudos filosóficos", ela é inequivocamente presente em vários
documentos epistolares do Poeta dos Sonetos, embora eles não constituam matriz
para esta crítica levada a efeito pelo propositor de “A Razão Experimental”.
Mero exemplo para esta observação de circunstância, mas que deverá interessar
quem quer que se debruce sobre as ideias filosóficas de Antero, são estas duas
sucintas passagens, extraídas, uma e outra, de cartas dirigidas a Jaime Batalha
Reis e a Azevedo Castelo Branco, respectivamente de 1873 e 1875, nas quais
contrasta estas afirmações:
- "O meu idealismo tem ultimamente descido (ou subido?) até compreender que não há ideal se não vasado nos moldes da realidade, que é só nas formas da natureza, e a elas adequado, que o espírito verdadeiramente se manifesta e existe . [...]; Completo só é o mundo divino do Ideal [...]".
‘Pensador do Absoluto’, em sua mais rasgada e funda plenitude,
abstraído todo o limite e finitidade, pendor determinista e fenomenológico,
Antero de Quental surge-nos através de Leonardo Coimbra concebendo um universo
metafísico circunscrito a estas duas categorias:
- Absoluto e Força. Se a primeira abrange a substância, a causa, a lei e o fim e dá a concepção do que existe por si e em si; a segunda traduz a explicação fenoménica da realidade.
Não pretendendo dar aqui um resumo dos desenvolvimentos nucleares,
críticos, e que nos concita Leonardo Coimbra nesta obra sobre “O Pensamento
Filosófico de Antero de Quental”, presta-se contudo a destaque, com vista a uma
maior atracção e mediata ou imediata reflexão do leitor, o sentido mais agudo
da unidade perdida a que se reduz a filosofia de Antero ao salientar que
"matéria e espírito, determinismo e liberdade, evolução e finalidade, não
são ideias contraditórias senão na aparência: de facto, são só duas esferas
diferentes de compreensão, tese e antítese, cuja síntese é a razão".
Assim, ultrapassado o conflito latente, se não há antinomia entre real
e ideal, também o humano existir revela outra teleologia além do momentâneo
devir heraclitiano, pois que nele reside, alfim, a possível redenção do
Universo todo, pela simbólica transposição de ser ‘o que está em cima igual ao
que está em baixo’. Deus não será o uno omnipotente, "espírito sem ideias,
corpo sem sangue , árvore sem seiva, noite sem astros de mistério...", o
ómega oceânico onde todos os seres se dissolvem numa fusão substancialista,
entes se nos mostrará, por uma visão unívoca, como o geómetra da pirâmide do
ser, o puro amor e memória, carecente das almas, mónadas libertas a caminho de
uma unidade convivente. E, forma última da coexistência da matéria, será o
mecanismo ‘o Socorro levado ao Nada’.
Se, por vezes, em Antero, ‘a doutrina da cousa exerce um desvio sobre o
seu pensamento’, dirigindo num fluir budista ‘cada eu e todos os eus para um
universal abstracto da substância ou dum princípio e não para o universal
concreto da troca e da companhia’, tal se deve por ter faltado, esclarece
Leonardo Coimbra no excurso da explanação das correntes contrárias no pensamento
anteriano, a interpretação dum nós, dum fraterno plural, que é a própria
experiência, mas que sempre se furta às tendências monistas da razão». In
Leonardo Coimbra, O Pensamento Filosófico de Antero de Quental, Guimarães
Editores, Lisboa, 1991, ISBN 972-665-372-X.
Cortesia de Guimarães Editores/JDACT