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«Nestes artigos e polémicas define Herculano a sua atitude perante
aquilo que mais tarde se viria a chamar o “Fontismo”, e que ficaria mais bem caracterizado
pela designação de “Rodriguismo-Frontismo”, porque não é apenas uma política de
obras públicas realizada por engenheiros, mas também um sistema de corrupção e
adulteração ,das instituições parlamentares concebida e efectuada por políticos
profissionais. Estas páginas desconhecidas constituem a- definição mais concreta
e desenvolvida .dos ideais e programas políticos do seu autor.
Por outro lado elas acompanham e comentam um momento decisivo da evolução
do Liberalismo em Portugal: o momento em que uma aristocracia
política-financeira-latifundiária se instala pacificamente na vida nacional,
acobertada pela ficção da, legalidade constitucional, que finalmente aprendeu a
manejar com êxito; o momento também em que alguns dos pontos mais radicais do
programa da revolução liberal portuguesa, o anti-clericalismo, o fomento da
pequena propriedade o barateamento do crédito, o ensino popular, são
definitivamente atirados à rua pelo grupo governante.
Na rua passava gente. Os ideais do Liberalismo de 1820, 1834, 1836, os
de Fernandes Tomaz, Mouzinho da Silveira, Joaquim António Aguiar, Passos
Manuel, etc. não se perderam. Foram apropriados, por vezes como bandeira
puramente demagógica, por uma esquerda que assumiu diferentes nomes: partido
histórico (em que Herculano colaborou pessoalmente); partido progressista,
partido reformista. E inspiraram também o partido republicano que arregimentou,
à margem da política constitucional, a pequena burguesia e grupos aderentes.
Por isso mesmo o pensamento contido nos artigos de Herculano reunidos
neste volume tem importância também pelos seus reflexos no futuro. A crítica de
Herculano ao chamado “Fontismo” será largamente aproveitada por Oliveira
Martins e por António Sérgio na primeira fase da sua obra. Inclusivamente
algumas das ideias defendidas por Herculano “n’O Portuguez” virão a integrar-se
no programa do Partido Republicano, que nele reconheceu um dos seus
precursores, como notou Teófilo Braga; num livro insuspeito (“História do
Romantismo em Portugal, 1880”). Um dos primeiros republicanos portugueses,
Henriques Nogueira, inspira-se largamente em Herculano, e cita-o cada passo.
Membro do primeiro directório do partido é Oliveira Marreca cuja linha
política, desde 1838, oferece muitos pontos de contacto com a de Herculano, que
o estimava" singularmente.
Vamos notar rapidamente os pontos capitais da campanha de Herculano “n’O
Portuguez”, deixando para o volume atrás aludido o desenvolvimento deste
apontamento.
Herculano acusava a Regeneração rodriguista de disfarçar com o reclame
dos ‘melhoramentos materiais’ a ausência de um programa político, ou antes a
continuação, sob a aparência da legalidade, do programa do Cabralismo, que
consistia na centralização política, com a correspondente destruição das
liberdades municipais, e na mistificação do sistema eleitoral e parlamentar.
Para Herculano (como mais tarde para Oliveira Martins, que se aproveita às mãos
cheias das suas ideias) a Regeneração à maneira de Rodrigo não é mais que a
expressão portuguesa da reacção na Europa, que tendia justamente a desvirtuar
as conquistas do Liberalismo». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido.
1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.
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