sexta-feira, 20 de julho de 2012

Herculano Desconhecido. 1851-1853. António José Saraiva. «Na rua passava gente. Os ideais do Liberalismo de 1820, 1834, 1836, os de Fernandes Tomaz, Mouzinho da Silveira, Joaquim António Aguiar, Passos Manuel, etc. não se perderam. Foram apropriados, por vezes como bandeira puramente demagógica, por uma esquerda que assumiu diferentes nomes»



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«Nestes artigos e polémicas define Herculano a sua atitude perante aquilo que mais tarde se viria a chamar o “Fontismo”, e que ficaria mais bem caracterizado pela designação de “Rodriguismo-Frontismo”, porque não é apenas uma política de obras públicas realizada por engenheiros, mas também um sistema de corrupção e adulteração ,das instituições parlamentares concebida e efectuada por políticos profissionais. Estas páginas desconhecidas constituem a- definição mais concreta e desenvolvida .dos ideais e programas políticos do seu autor.
Por outro lado elas acompanham e comentam um momento decisivo da evolução do Liberalismo em Portugal: o momento em que uma aristocracia política-financeira-latifundiária se instala pacificamente na vida nacional, acobertada pela ficção da, legalidade constitucional, que finalmente aprendeu a manejar com êxito; o momento também em que alguns dos pontos mais radicais do programa da revolução liberal portuguesa, o anti-clericalismo, o fomento da pequena propriedade o barateamento do crédito, o ensino popular, são definitivamente atirados à rua pelo grupo governante.
Na rua passava gente. Os ideais do Liberalismo de 1820, 1834, 1836, os de Fernandes Tomaz, Mouzinho da Silveira, Joaquim António Aguiar, Passos Manuel, etc. não se perderam. Foram apropriados, por vezes como bandeira puramente demagógica, por uma esquerda que assumiu diferentes nomes: partido histórico (em que Herculano colaborou pessoalmente); partido progressista, partido reformista. E inspiraram também o partido republicano que arregimentou, à margem da política constitucional, a pequena burguesia e grupos aderentes.
Por isso mesmo o pensamento contido nos artigos de Herculano reunidos neste volume tem importância também pelos seus reflexos no futuro. A crítica de Herculano ao chamado “Fontismo” será largamente aproveitada por Oliveira Martins e por António Sérgio na primeira fase da sua obra. Inclusivamente algumas das ideias defendidas por Herculano “n’O Portuguez” virão a integrar-se no programa do Partido Republicano, que nele reconheceu um dos seus precursores, como notou Teófilo Braga; num livro insuspeito (“História do Romantismo em Portugal, 1880”). Um dos primeiros republicanos portugueses, Henriques Nogueira, inspira-se largamente em Herculano, e cita-o cada passo. Membro do primeiro directório do partido é Oliveira Marreca cuja linha política, desde 1838, oferece muitos pontos de contacto com a de Herculano, que o estimava" singularmente.
Vamos notar rapidamente os pontos capitais da campanha de Herculano “n’O Portuguez”, deixando para o volume atrás aludido o desenvolvimento deste apontamento.

Herculano acusava a Regeneração rodriguista de disfarçar com o reclame dos ‘melhoramentos materiais’ a ausência de um programa político, ou antes a continuação, sob a aparência da legalidade, do programa do Cabralismo, que consistia na centralização política, com a correspondente destruição das liberdades municipais, e na mistificação do sistema eleitoral e parlamentar. Para Herculano (como mais tarde para Oliveira Martins, que se aproveita às mãos cheias das suas ideias) a Regeneração à maneira de Rodrigo não é mais que a expressão portuguesa da reacção na Europa, que tendia justamente a desvirtuar as conquistas do Liberalismo». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.

Cortesia de Edições SEN/JDACT