jdact
«Assim, com base nas
informações contidas nas “cadernetas” foi-nos possível concluir que o número de
processos instaurados, pela referida Inquisição (maldita), aos cristãos-novos elvenses,
durante o reinado de João IV, foi substancialmente superior àquele que detectámos
em períodos anteriores a 1640, assim como posteriores a esta data. Vejamos
então:
- Sebastião I, 73 processos;
- cardeal-rei Henrique, 1 processo;
- Filipe II, 84 processos;
- Filipe III, 3 processos;
- Filipe IV, 7 processos;
- João IV, 292 processos;
- Afonso VI – 279 processos. (67,7% das prisões verificadas neste reinado ocorreram durante os primeiros quatro anos, pelo que parece existir alguma continuidade, no que diz respeito à repressão da Inquisição de Évora sobre os cristãos-novos elvenses, entre o final do reinado de João IV e o princípio do reinado de Afonso VI).
Esta realidade levou a
interrogarmo-nos sobre os motivos que poderiam explicar o aparente apertar do
cerco aos cristãos-novos elvenses. Tão relevante número de processos
permitir-nos-ia, ao mesmo tempo, dispor de um significativo espólio documental,
logo de uma base de trabalho mais sólida, tendo em vista os objectivos que nos
propusemos atingir.
Todavia, outras razões
estiveram na base da nossa opção. O interesse por Elvas resultou, igualmente,
do facto de a cidade, no momento da Restauração e na geografia da zona,
constituir, sem dúvida, um núcleo urbano de relevo junto à fronteira. A localização
geográfica de Elvas, última cidade em território português, conferiu-lhe, desde
cedo, uma carácter de espaço de encruzilhada de caminhos e gentes colocando-a numa
rota internacional de importância assinalável, do ponto de vista político,
militar e económico, que estabelecia a ligação entre o litoral de Portugal,
mais particularmente a capital, Lisboa, e os centros urbanos de Castela ou
mesmo da Europa. Além disso, na Guerra da Restauração, em que o Alentejo foi
palco privilegiado, Elvas constituiu um polo essencial na protecção a Évora,
segunda cidade do país no século XVII, e no avanço em direcção ao rio Sado e a
Lisboa.
Quanto ao interesse que
o reinado de João IV nos despertou, o mesmo prende-se com o facto de ter sido
marcado por uma situação económica, social e política particularmente delicada,
tanto do ponto de vista interno como externo, e em que no seio da sociedade
Seiscentista se assistiu à alteração do equilíbrio de forças entre alguns dos
sectores que a compunham, designadamente entre a realeza e a Inquisição
(maldita).
Assim, constituiu um
desafio a tentativa por nós empreendida, de perscrutarmos o “Pesado século de
penetrantes e duras contradições, de permanentes incertezas e de dúvidas
fundamentais, um mundo, a um tempo, de coerência e descontinuidade, de sombras
e de luminosa criatividade”, que foi o XVII. Fizemo-lo, privilegiando na nossa
análise apenas uma vertente da multifacetada realidade Seiscentista e que foi a
da correlação de forças e de interesses estabelecida entre aqueles que
consideramos terem sido alguns dos principais protagonistas da dinâmica social
e política, durante o reinado de João IV:
- o próprio monarca,
- o Tribunal do Santo Ofício,
- a Companhia de Jesus,
- os cristãos-novos.
Tendo, precisamente,
como pano de fundo esta questão, que consideramos ter marcado de forma
indelével a nova monarquia saída da Restauração, buscámos continuidades e
rupturas com o passado recente, o da governação filipina, mas também com o mais
distante, o século XVI. Procurámos, assim, compreender não apenas em que medida
o equilíbrio de poderes entre os referidos intervenientes sofreu, eventualmente,
alterações com a subida ao trono do representante da Casa de Bragança, mas
também como é que os cristãos-novos se enquadraram na nova e conturbada
conjuntura restauracionista. Interessou-nos, particularmente, reflectir sobre a
interacção que estabeleceram não apenas com o poder real, mas também com outros
intervenientes como a Companhia de Jesus ou a própria Inquisição (maldita) e
vice-versa». In Maria do Carmo Teixeira Pinto Os Cristãos-Novos de Elvas no
reinado de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História, Universidade Aberta, Lisboa,
2003.
Cortesia de U.
Aberta/JDACT