segunda-feira, 23 de julho de 2012

Guimarães. Barroso da Fonte. As Duas Cabeças: «E como na terça-feira, sexto dia depois da partida, entrasse no porto de Arzila, opulentíssima cidade dos mouros, no dia seguinte, quarta-feira, ainda que o mar, pela sua braveza, tornasse perigosíssimo o desembarque da gente, contudo o Rei, de ânimo esforçado para todas as dificuldades…»


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«Além dos estudos que Reinaldo dos Santos publicou, outros trabalhos se foram editando sobre as mesmas tapeçarias, merecendo destaque a ‘separata da Revista de Artilharia’ (1987) da autoria de Nuno Varela Rubim. São 40 páginas de análise histórica e militar que nos serviram de apoio ao que sobre essa matéria publicámos em ‘Aspectos Menos Conhecidos do Paço dos Duques de Bragança’ (1991).
Como a função deste livro não é tanto a descrição do pormenor técnico do Museu, como a história que nos liga ao norte de África, remetemos o leitor para aquele livro da nossa autoria, ficando-nos com alguns elementos que naquele não inserimos, por desconhecimento, na altura. De facto veio-nos à mão uma cópia da tradução latina da primeira e terceira tapeçarias, reproduzidas em ‘1943 e 1949’ respectivamente. A versão foi feita pelo latinista José Maria Rodrigues a pedido de José de Figueiredo. É pena que não tenhamos a tradução da segunda e da quarta tapeçarias porque seria um bom contributo para o seu estudo integral.
A primeira tapeçaria simboliza o ‘Desembarque’ e nela se lê o seguinte: ‘Real Fabrica de Tapices – STVYCY, Madrid 1943’. Mais acima lê-se também: ‘Reproduccion de VN Tapiz Del Siglo XV Que Representa El Desembarco Del Rey Alfonso V de Portugal En Arcila. Reconstituyo El Dibujo Faustino Alvarez’.
A tradução do latim para o Português reza assim:
  • O sereníssimo e vitorisíssimo (D.) Afonso V, pela graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves de aquém e de além-mar em África, como já muitas outras vezes (o tinha feito), para exaltação da fé católica, assim também no ano do Senhor de 1471, a 15 do mês de Agosto, festa da Beata Virgem (Maria), navegando do porto de Lisboa, juntamente com o Sereníssimo príncipe (D.) João, seu filho único, primogénito e herdeiro, passou à África com uma frota de quatrocentas naus e outras embarcações e com um exército de trinta mil homens, a fim de combater contra os mouros, pela fé de Cristo. E como na terça-feira, sexto dia depois da partida, entrasse no porto de Arzila, opulentíssima cidade dos mouros, no dia seguinte, quarta-feira, ainda que o mar, pela sua braveza, tornasse perigosíssimo o desembarque da gente, contudo o Rei, de ânimo esforçado para todas as dificuldades, considerando que por muitos motivos, nada lhe era mais perigoso nesta conjuntura do que a demora e a hesitação, suplantado o risco da vida pelo grande ardor da fé, saiu para terra, afundando-se em volta muitos batéis e perecendo submergidos pelas ondas alguns nobres, com suma dor dele.
Da segunda tapeçaria que simboliza o ‘Cerco’ (outros chamam-lhe o ‘assalto’) sabe-se que foi reproduzida em 1944. Não temos a tradução do texto que nela se lê. Também não possuímos a tradução da quarta tapeçaria que simboliza a entrada em Tânger e que foi reproduzida em 1936. Mas temos a tradução da terceira que significa o assalto e que tal como a primeira procura retransmitir o arraial dentro do palanque com Arzila ao centro e o friso de gávias e mastros de naus ao fundo, distinguindo-se a divisa régia. Mas como diz o intérprete do texto latino ‘à estática do cerco segue-se a dinâmica do assalto em que a hoste se precipita contra as brechas da muralha entre uma chuva de dardos que criaram as adargas e o ramalhar duma floresta de aço’».




In Barroso da Fonte, Guimarães e as Duas Caras, Editora Correio do Minho, 1994, ISBN 972-95513-8-3.

Cortesia de Guimarães/JDACT