terça-feira, 24 de julho de 2012

Portugal e a Ásia Oriental. João de Deus Ramos. «A ‘Pax Mongólica’ surge a partir das condições criadas pelo termo da expansão para ocidente motivada pelo falecimento do ‘Grande Khan Ogodei’ em 1241. Sem se poder fixar uma data, era sem dúvida uma realidade em 1245»


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Frei Lourenço de Portugal e o Século Franciscano no Cataio
«A gesta franciscana na,Ásia Central e no Cataio foi uma das mais nobres aventuras humanas temporal e espiritualmente falando, ao longo de pouco mais de cem anos, o ‘Século Franciscano’.

NOTA: O ‘Século’, em sentido alargado, pois foram efectivamente mais de cem anos. Considero como ímpeto e marco iniciais a bula ‘Dei Panis Immensa’, de 1245, e como termo, a queda da Dinastia Yuan, em 1368, que determinou a extinção das missões cristãs na China. Ao todo, portanto, 123 anos. É certo que os religiosos fugiram da China para a Ásia Central, mas aí já, nada foi possível consolidar pois, quatro anos mais tarde, em 1370, Tamertão dava início a uma nova fase de violência e conquista que abrangeria a Ásia Central, a Pérsia, a Rússia até Moscovo, o sub-continente indiano, a Ásia Menor e a Síria. A islamização progrediu rápida e fortemente, a ‘pax mongolica’ destruída inviabilizou a Rota da Seda, as rotas marítimas a sul ficaram sob o controlo islâmico; na Europa, a Peste Negra tinha consequências demográficas que se reflectiam no esforço missionário possível. Só cerca de 230 anos mais tarde, com Mateus Ricci, voltariam os missionários a pisar terras da China.

Coincidente e intimamente ligada a uma outra aventura de vasta dimensão e consequências, a expansão Mongol, ambas contribuíram para que, pela primeira vez, a humanidade se globalizasse. Do Ocidente Europeu à Asia Extrema, a política e estratégia militar estavam interligadas, e o que se pensava em Karakorum, no centro da Ásia, era relevante para Roma e para Pequim.

NOTA: Karakorum, capital do Império Mongol, nas margens do rio Orkhon, a 200 km a sudoeste de Ulan Bator, capital dos nossos dias da República Popular da Mongólia. Fundada por Gengis Khan, c. 1220, foi destruída em finais do século XIV e as suas ruínas só identificadas em fins do século passado por um arqueólogo russo.

Neste turbilhão de acontecimentos, a imaginação fantasmagórica medieval sobre o Oriente ia cedendo lugar ao conhecimento científico e à ‘realpolitik’, prenunciando os alvores do Renascimento. Nesta trama se envolveram os grandes da Europa e do Oriente, em torno dos dois pólos que eram o Sumo Pontífice e o Grande Khan Mongol. Ao longo do século XIII, em poucas décadas se passou, na Europa, do temor e pânico originado pela violência das hordas vindas da estepe, para uma política de aproximação e aliança contra o Islão. É, em parte, nesta reviravolta político-religiosa que os franciscanos surgem como emissários-negociadores, e missionários depois, paradigmas numa e noutra qualidade das maiores virtudes. Ainda hoje, volvidos sete séculos, o fascínio opera sobre quem se debruce sobre a fantástica aventura desses frades, Menores no nome, gigantes em tudo o resto.
A abordagem desta temática depara com várias dificuldades. Por um lado, tentar saber os factos implica conhecimentos sobre o Ocidente cristão, o Próximo e Médio Oriente islâmicos, a Ásia Central e o Império do Meio; sobre as religiões e heresias em todo esse espaço geográfico, de que hoje pouco mais resta do que a memória nos livros e arquivos; sobre o homem è a sociedade, os móbeis e motivos da sua actuação, a sua maneira de ser e pensar, em tempos recuados em civilizações tão distintas. Por outro lado, a interpretação dos factos depara com a diversidade, complexidade e, não poucas vezes, escassez das fontes, num período em que o mundo sofria uma mutação. Em minha opinião quem até hoje melhor superou aquelas dificuldades foi Paul Pelliot.

NOTA: Orientalista e sinólogo francês (1878-1945) dispunha de excepcional erudição e memória, ao serviço de uma inteligência que não se saciava nos gabinetes e arquivos mas se complementava nas missões de estudo aos mais variados locais da Ásia. A melhor síntese do que este homem foi é, para mim, a de Duyvendak, «He became a Marco Polo of the spirit, equipped with all the knowledge of languages, religions and books that Marco Polo himself had lacked».

Os seus estudos continuam a ser leitura indispensável, embora difícil, nestas matérias.
A Rota da Seda surge em torno da era cristã, ligando os confins do Império Romano à China da Dinastia Han (estende-se por mais de quatro séculos em torno da era cristã e divide-se em duas fases: os Han anteriores ou ocidentais, de 206 a.C. a 8 d.C., e os Han posteriores ou orientais, de 23 a 220 d.C. No meio (8-23), aquilo a que é tradicionalmente chamado o Interregno Wang Mang). Ao longo da sua milenar história, nunca a sua enorme extensão terá sido percorrida em tanta segurança como durante a ‘Pax Mongólica’ dos séculos XIII e XIV.

NOTA: A ‘Pax Mongólica’ surge a partir das condições criadas pelo termo da expansão para ocidente motivada pelo falecimento do ‘Grande Khan Ogodei’ em 1241. Sem se poder fixar uma data, era sem dúvida uma realidade em 1245 quando a Santa Sé envia os primeiros emissários a Karakorum. Estende-se ao Cataio, ou seja, à China, a partir da consolidação do poder Mongol por Kubilai Khan, primeiro Imperador da Dinastia Yuan, c. 1277. E termina com o fim desta em 1368.

Do supremo poder decorria neste caso a suprema segurança, viabilizando o comércio e o cosmopolitismo das capitais. Os franciscanos irão encontrar europeus em Karakorum e Khanbalik, ao lado de todos os povos asiáticos de todas as etnias e convicções religiosas. A ‘Pax Mongólica’ da segurança física era também a da tolerância religiosa». In João de Deus Ramos, Portugal e a Ásia Oriental, Fundação do Oriente, 2012, ISBN 978-972-785-102-7, Comunicação apresentada no 3º Seminário sobre o Franciscanismo em Portugal, Abril de 1995, ISBN 978-972-785-202-7.

 
Cortesia da F. Oriente/JDACT