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Frei Lourenço de Portugal e o Século Franciscano no Cataio
«A gesta franciscana na,Ásia Central e no Cataio foi uma das mais
nobres aventuras humanas temporal e espiritualmente falando, ao longo de pouco
mais de cem anos, o ‘Século Franciscano’.
NOTA: O ‘Século’, em sentido
alargado, pois foram efectivamente mais de cem anos. Considero como ímpeto e
marco iniciais a bula ‘Dei Panis Immensa’, de 1245, e como termo, a queda da
Dinastia Yuan, em 1368, que determinou a extinção das missões cristãs na China.
Ao todo, portanto, 123 anos. É certo que os religiosos fugiram da China para a
Ásia Central, mas aí já, nada foi possível consolidar pois, quatro anos mais
tarde, em 1370, Tamertão dava início a uma nova fase de violência e conquista
que abrangeria a Ásia Central, a Pérsia, a Rússia até Moscovo, o sub-continente
indiano, a Ásia Menor e a Síria. A islamização progrediu rápida e fortemente, a
‘pax mongolica’ destruída
inviabilizou a Rota da Seda, as rotas marítimas a sul ficaram sob o controlo
islâmico; na Europa, a Peste Negra tinha consequências demográficas que se
reflectiam no esforço missionário possível. Só cerca de 230 anos mais tarde,
com Mateus Ricci, voltariam os missionários a pisar terras da China.
Coincidente e intimamente ligada a uma outra aventura de vasta dimensão
e consequências, a expansão Mongol, ambas contribuíram para que, pela primeira
vez, a humanidade se globalizasse. Do Ocidente Europeu à Asia Extrema, a
política e estratégia militar estavam interligadas, e o que se pensava em
Karakorum, no centro da Ásia, era relevante para Roma e para Pequim.
NOTA: Karakorum, capital do
Império Mongol, nas margens do rio Orkhon, a 200 km a sudoeste de Ulan Bator,
capital dos nossos dias da República Popular da Mongólia. Fundada por Gengis
Khan, c. 1220, foi destruída em finais do século XIV e as suas ruínas só identificadas
em fins do século passado por um arqueólogo russo.
Neste turbilhão de acontecimentos, a imaginação fantasmagórica medieval
sobre o Oriente ia cedendo lugar ao conhecimento científico e à ‘realpolitik’, prenunciando os alvores do
Renascimento. Nesta trama se envolveram os grandes da Europa e do Oriente, em
torno dos dois pólos que eram o Sumo Pontífice e o Grande Khan Mongol. Ao longo
do século XIII, em poucas décadas se passou, na Europa, do temor e pânico
originado pela violência das hordas vindas da estepe, para uma política de aproximação
e aliança contra o Islão. É, em parte, nesta reviravolta político-religiosa que
os franciscanos surgem como emissários-negociadores, e missionários depois,
paradigmas numa e noutra qualidade das maiores virtudes. Ainda hoje, volvidos
sete séculos, o fascínio opera sobre quem se debruce sobre a fantástica
aventura desses frades, Menores no nome, gigantes em tudo o resto.
A abordagem desta temática depara com várias dificuldades. Por um lado,
tentar saber os factos implica conhecimentos sobre o Ocidente cristão, o Próximo
e Médio Oriente islâmicos, a Ásia Central e o Império do Meio; sobre as religiões
e heresias em todo esse espaço geográfico, de que hoje pouco mais resta do que
a memória nos livros e arquivos; sobre o homem è a sociedade, os móbeis e
motivos da sua actuação, a sua maneira de ser e pensar, em tempos recuados em
civilizações tão distintas. Por outro lado, a interpretação dos factos depara
com a diversidade, complexidade e, não poucas vezes, escassez das fontes, num
período em que o mundo sofria uma mutação. Em minha opinião quem até hoje
melhor superou aquelas dificuldades foi Paul Pelliot.
NOTA: Orientalista e
sinólogo francês (1878-1945) dispunha de excepcional erudição e memória, ao
serviço de uma inteligência que não se saciava nos gabinetes e arquivos mas se
complementava nas missões de estudo aos mais variados locais da Ásia. A melhor
síntese do que este homem foi é, para mim, a de Duyvendak, «He became a Marco
Polo of the spirit, equipped with all the knowledge of languages, religions and
books that Marco Polo himself had lacked».
Os seus estudos continuam a ser leitura indispensável, embora difícil,
nestas matérias.
A Rota da Seda surge em torno da era cristã, ligando os confins do Império
Romano à China da Dinastia Han (estende-se por mais de quatro séculos em torno
da era cristã e divide-se em duas fases: os Han anteriores ou ocidentais, de
206 a.C. a 8 d.C., e os Han posteriores ou orientais, de 23 a 220 d.C. No meio
(8-23), aquilo a que é tradicionalmente chamado o Interregno Wang Mang). Ao
longo da sua milenar história, nunca a sua enorme extensão terá sido percorrida
em tanta segurança como durante a ‘Pax
Mongólica’ dos séculos XIII e XIV.
NOTA: A ‘Pax Mongólica’ surge a partir das
condições criadas pelo termo da expansão para ocidente motivada pelo
falecimento do ‘Grande Khan Ogodei’ em 1241. Sem se poder fixar uma data, era
sem dúvida uma realidade em 1245 quando a Santa Sé envia os primeiros emissários
a Karakorum. Estende-se ao Cataio, ou seja, à China, a partir da consolidação
do poder Mongol por Kubilai Khan, primeiro Imperador da Dinastia Yuan, c. 1277.
E termina com o fim desta em 1368.
Do supremo poder decorria neste caso a suprema segurança, viabilizando
o comércio e o cosmopolitismo das capitais. Os franciscanos irão encontrar
europeus em Karakorum e Khanbalik, ao lado de todos os povos asiáticos de todas
as etnias e convicções religiosas. A ‘Pax
Mongólica’ da segurança física era também a da tolerância religiosa». In
João de Deus Ramos, Portugal e a Ásia Oriental, Fundação do Oriente, 2012, ISBN
978-972-785-102-7, Comunicação apresentada no 3º Seminário sobre o
Franciscanismo em Portugal, Abril de 1995, ISBN 978-972-785-202-7.
Cortesia da F. Oriente/JDACT