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Diplomata
«Quando João III subiu ao trono em l52l a estrutura política de
Portugal era muito semelhante à de qualquer outra grande potência europeia. O
primeiro rei de Portugal, Afonso Henriques, obtivera uma vitória decisiva
contra os mouros e a independência em relação à Espanha no século XII. Na
viragem do século XVI a nação estava unificada e o poder era, firmemente
exercido pelo rei; o rei reunia as cortes quando queria, e isso só de longe em
longe. Esse sistema era como o da Espanha e o da França, mas no que respeitava
à política externa Portugal movia-se num sentido que era ditado pelos seus
próprios interesses nacionais. Isso vê-se claramente através duma comparação da
história de Portugal com a de Espanha no período de João III, cujo reinado
decorreu aproximadamente nos mesmos anos que o de Carlos V de Espanha; o rei
espanhol iniciou o governo dois anos antes da subida de João III ao trono e
abdicou dois anos antes de este morrer. Ambos os governantes tinham adquirido
impérios coloniais, mas enquanto que Carlos V combinava as responsabilidades
além-mar com uma política de poder na Europa, o rei de Portugal concentrava os
seus esforços na defesa e no reforço das possessões coloniais.
Tem sido frequentemente apontado que Portugal não tinha nem a capacidade
humana, com uma população de um milhão apenas, nem as finanças precisas para a
manutenção de um império tão vasto; não há dúvida de que os portugueses tinham
poucos recursos para se lançarem numa luta pela supremacia na Europa. Mas
Carlos V e o seu sucessor, Filipe II, também tinham sérios problemas financeiros
e não lhes era fácil gerir as conquistas feitas na América; também dependiam da assistência financeira dos banqueiros.
Todavia os portugueses, logo que emergiram como nação independente,
orientaram-se no sentido de novos Descobrimentos e conquistas, com uma
determinação e um fervor que excluíam quase tudo o mais. Esse propósito único e
exclusivo estava na raiz do seu êxito e explica também o considerável
isolamento em que se encontravam em relação ao resto da Europa, assim como a falta
de interesse que sentiam pelas questões políticas europeias.
João III preocupava-se acima de tudo com a manutenção dos laços
económicos que ligavam Lisboa a Cracóvia; esse pensamento pesava mais do que quaisquer
outras considerações. Nem Manuel I nem João III mantiveram na Europa diplomatas
de estatura tal que merecessem menção especial na história, Os representantes
portugueses como Góis eram mais peritos em economia do que hábeis no jogo da alta
diplomacia. Não podiam, como é obvio, ser inteiramente desprovidos de perícia
diplomática, visto que tinham de negociar questões financeiras e comerciais,
mas não tinham um percurso político específico a seguir. Contudo, como a economia
estava, então como agora, intimamente ligada à politica, os portugueses tinham
que ser observadores atentos da cena política sem tentar tomar nela parte
activa.
Quando Góis foi enviado a Antuérpia no verão de 1523, estava bem definida
a sua tarefa como secretário da Casa da Índia. Como Lisboa, Antuérpia era um
grande centro comercial. Entre os muitos mercadores estrangeiros que se tinham
estabelecido na cidade do Escalda distinguia-se a ‘nação’ portuguesa, devido ao
papel de Manuel I na valorização comercial de Antuérpia. Basta ler a longa
lista de importações oriundas de Lisboa na famosa descrição dos Países Baixos
por Ludovico Guicciardini para se poder avaliar a extensão das transacções
portuguesas na Bolsa. Os vereadores de Antuérpia, em sinal de reconhecimento
pela contribuição de Portugal para a prosperidade da sua cidade, tinham-lhe
oferecido em 1511 o majestoso edifício de Kipdorf. Esse edifício, que se passou
a chamar Casa da Índia, era um ponto focal para todos os negociantes que
aguardavam mercadorias vindas de Lisboa. Góis, habituado a um meio de riqueza,
de conforto e de cultura, encontrou o mesmo ambiente em Antuérpia; muitos dos
seus novos associados gozavam duma vida de luxo e revelavam gostos culturais semelhantes
aos seus.
Gois também tinha razões pessoais para se sentir satisfeito em Antuérpia.
Embora raras vezes se referisse a família donde vinha, é bem possível que Gois
tivesse recebido da origem holandesa dos seus antepassados maternos o gosto
marcado que sentia pelos Países Baixos e até mesmo a admiração manifesta pela
Alemanha. Góis visitava a Holanda amiúde e relacionava-se com os holandeses que
iam a Flandres para serem educados em Lovaina». In Elisabeth Feist Hirsch,
Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.
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