segunda-feira, 23 de julho de 2012

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Reanimou a política portuguesa para com a Igreja. Um dos primeiros actos do governo de Afonso Henriques foi a respeito do provimento da importante sé episcopal de Coimbra. Havia lá falecido há pouco o bispo Gonçalo, e já se havia chegado a acordo com a Infanta D. Teresa…»


jdact

«Primeiro que tudo, naturalmente, importava fazer e guerra contra os mouros independentemente, por si só. Afonso Henriques nunca reclamou o auxílio dos vizinhos contra os muçulmanos, mas antes sempre fazia e guerra, ou assinava a paz, por iniciativa própria. Quantos mais êxitos assim conseguia, e quanto mais habituava os cavaleiros portugueses à sua bandeira, tanto mais segura, era a sua posição em face das pretensões dos vizinhos cristãos.
Mas reconhecia também que só isto não bastava: além da nobreza, precisava de atrair para o seu lado também o clero e criar uma Igreja portuguesa tão independente quanto possível das potências vizinhas. Mas isso só era possível em liga com o Papado, e assim regressou em breve à política romófila que seu pai seguira mas que sue mãe havia desprezado.
Reanimou a política portuguesa para com a Igreja. Um dos primeiros actos do governo de Afonso Henriques foi a respeito do provimento da importante sé episcopal de Coimbra. Havia lá falecido há pouco o bispo Gonçalo, e já se havia chegado a acordo com a Infanta D. Teresa para a eleição do Arcediago Telo como sucessor. Telo havia sido pessoa da confiança de Gonçalo e era de esperar dele política idêntica, isto é, a favor de Toledo. Por isso, mal Afonso Henriques tomou posse do governo, logo impediu tal eleição, fazendo-a substituir pela de Bernardo, Arcediago bracarense, que provavelmente é o autor da ‘Vita b. Geraldi’ francês. A sagração foi por consequência realizada pelo Arcebispo de Braga Paio, apesar-das pretensões de Santiago. O novo bispo, prudentemente, escreveu imediatamente ao Papa, prometeu para mais tarde uma viagem a Roma, e ajuntou a isto um pedido: certamente o de ser confirmado na sua dependência de Braga. Mas Honório II, que então ainda se sentava na cadeira de S. Pedro, estava nesta questão do lado de Santiago. Na sua resposta ao bispo Bernardo, deixava, para mais tarde a resolução do pedido feito, e quando Diogo de Compostela por seu lado se dirigiu ao Papa, queixando-se da sagração episcopal feita por Paio de Braga, aquele em severo mandato ordenou a este que viesse a Roma dar contas do seu procedimento.
Mas antes que tivesse decorrido o prazo, morrera Honório II e novo cisma havia estalado. Que neste cisma também Portugal, como todo o Ocidente, tinha estado fundamentalmente ao lado de Inocêncio II, não pode ser posto em dúvida. Mas não possuímos nenhum documento que o prove, por isso mesmo que nos primeiros cinco anos do governo de Inocêncio II não se pode demonstrar que tenham existido relações entre o Papado e Portugal.

NOTA: Seria deste tempo a outrora célebre história do ‘bispo negro’, segundo a qual o Papa teria mandado a Afonso Henriques um cardeal que Afonso Henriques porém teria ameaçado fisicamente e expulso. Mas é sabido há muito que se trata apenas duma lenda do século XV, surge primeiro nas «Crónicas breves do S. Cruz do Coimbra», que dificilmente terá base histórica.

Sabemos apenas que Diogo de Compostela no Verão de 1130 e em Fevereiro de 1131 conseguiu de Inocêncio II que fosse renovado o mencionado mandato, e ainda que este ordenasse a entrega a Diogo dos territórios compostelanos que se encontravam na região de Braga. Paio porém, tanto quanto a tradição o deixa perceber, não satisfez nenhuma destas exigências, tendo sobretudo, ao que parece, ficado em aberto entretanto a questão do bispado de Coimbra.
Era preciso primeiro dar novo impulso ao fortalecimento das relações entre Portugal e Roma. Esse impulso viria do progresso da vida conventual portuguesa». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT