«Se as experiências mítica e poética, e igualmente a do sonho,
permanecem numa específica esfera da individualidade, a experiência saudosa,
comunicada e partilhada, transfigurada simbolicamente em momentos
civilizacionais ou obras do espírito, torna-se fundamento duma sabedoria nacional,
sabedoria dúplice, que ora perde Portugal num adormecimento passivo, melancólico,
um desinteresse
ou sono, numa espécie de queda imanente na História, ora salva
Portugal, reintegrando o seu ser temporal no ser da saudade, projectando a sua força anímica e concentrando os
seus arquétipos numa nova eclosão originadora da busca de
mundos novos, como, por exemplo, nos Descobrimentos:
- A saudade nessa alma e pátria, foi e será ainda e sempre uma força de movimento premente vital dum ser, que permite o desbloqueamento do seu estado, para essa integração futura, como expressão máxima dum poder de incessante ultrapassagem, de a si se transcender, na possessão e utilização global de todas as suas faculdades, ou planos a que chamamos supramentais, aí transcendendo o humano no divino. Assim a via saudosa surge na vida espiritual portuguesa como uma arte de realização total do ser humano, pelo ultrapassar da sua condição ou natureza, e sua união com a Realidade, o Ser.
Terminado historicamente o ciclo do Império por via da Descolonização
em 1975 e fundamentando-se na obra de Fernando
Pessoa, Dalila Pereira da Costa
anuncia em 1976 uma nova eclosão das forças anímicas portuguesas centradas na saudade, agora na descoberta do Mar
Absoluto, o do Espírito, que será também um segundo mar da saudade
Individualmente, vivendo pela saudade um estado superior de consciência, o
português atingiria igualmente um estado de ultra-razão, num ser não
mais dividido, mas integrado na essência una e tripla do corpo, alma e espírito.
Como superação do tempo, a saudade
transmuta-se em Amor, que tudo liga e vincula, tudo unifica em laços
ontológicos ou metafísicos, possibilitando que os seres escapem à desintegração
no e do tempo, conservados vivos pela memória reminiscente colectiva. Como
Amor, e sobretudo porque Amor, a saudade
é igualmente conhecimento, conhecimento contemplativo, transcendente,
remissor da diferencialidade dos seres no espaço. Amor e conhecimento, a
saudade salva a vida, seja individual, seja colectiva, salvando o nada
da existência a que os ciclos históricos inexoravelmente conduzem os seres.
Espiritualizando a história, a saudade
transfigura-a numa figura única, a figura da eternidade, ou, dito de outro
modo, a saudade anula o tempo, realizando e anulando a morte e
atingindo intuitivamente a verdade do Ser.
Semelhantemente nela [a saudade], o homem será unidamente
pagão e cristão na sua mais concreta e irredutível essência:
- na saudade, a sua pessoa, como entidade única não repetitiva, vivida numa única vida terrestre, limitada por um nascimento e por uma morte, e nessa única vida terrestre e limitada preparando-se para outra, eterna, na abolição do tempo, ou saída para fora do tempo, irrevogável, na usufruição da eternidade, sofrerá no mundo da saudade, uma multiplicação infinita para lá desses limites duma vida única vivida por uma única pessoa. Mas então como a de um ser que uma e duas vezes, múltiplas vezes, vem e volta da eternidade ao tempo, da morte à vida, da vida à morte, do céu à terra, ou da terra ao céu. Em retornos incessantes, o mesmo ser e outro, duma identidade na dissemelhança.
Para além de um fortíssimo carácter místico, a originalidade da teoria
saudosa de Dalila Pereira da Costa
encontra aqui o seu âmago mais específico, pela saudade, em Portugal, paganismo
e cristianismo serão superados, a clássica divisão racional entre céu e terra,
imanente e transcendente, humano e divino, matéria e espírito, tradição e
revolução, Ocidente e Oriente, será superada por via da realização da saudade
consumada no messianismo português retomado, no princípio do século XX, por Sampaio
Bruno e Fernando Pessoa após
quatro
séculos de suspensão ou ocultamento, desde o tempo da Contra-Reforma».
continua
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