quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Portugal na Espanha Árabe. António Borges Coelho. «Silves, Faro, Tavira, Mértola, Évora, Lisboa foram capitais de episódicos estados independentes e gozaram sempre neste período de larga autonomia política. A Lisboa de Osberno é uma comuna mercantil mais velha que a maioria das suas irmãs do ocidente europeu»


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«Nesse povoamento intervieram afluxos de Além-Douro, principalmente pelo estrada litoral Porto-Coimbra e houve mesmo um movimento colonizador da Beira como parece inferir-se da toponímia e de outras fontes: Mondim de Basto (e da Beira), Celorico de Basto (e da Beira), Aguiar transmontana (e beirã). Mas no próprio ‘santuário’ de Além-Douro quantos cativos idos do Andaluz se reintegraram pelo baptismo? Se Córdova, Toledo, Badajoz e Sevilha eram no século XI e XII torres maiores, outras torres defendiam o circuito interno de homens, de exércitos e de mercadorias. Estão marcadas nos roteiros de Albacri e Edrici, assinaladas nas torres de Lamego, de Coimbra, de Lisboa, de Santarém, de Évora, de Beia, de Juromenha, de Serpa, de Alcácer, de Palmela, de Moura, de Mértola, de Silves, de Faro, de Tavira...
Sevilha constitui o modelo destes agregados urbanos. Bosta ler as descrições dos geógrafos, as de Ibne Alabar a do cruzado Osberno sobre Lisboa ou desenvolver os próprios postulados lógicos e históricos. Nas aldeias de Sevilha, ao lado de uma economia de subsistência, pratica-se uma economia de mercado com especial relevo para os cercais, os produtos hortícolas, o azeite o açúcar, o gado e produtos pecuários. Ibne Abdune aconselhava que os vizires explorassem directamente as suas herdades ou nas suas palavras possuíssem explorações agrícolas pessoais. O tabelamento dos preços ordenado por Afonso III, designadamente o das soldadas, tornou-se necessário pela institucionalização do novo mundo sulista recém-conquistado com os seus mancebos de soldada contratados nos rossios. No governo de João I, esta mancha do assalariato, não alcançara ainda o interior do noroeste e era ralo em Trás-os-Montes e na Beira Alta.
O juiz é o centro das magistraturas urbanas e o seu poder faz vergar o do próprio príncipe. É ele quem orienta a urbe onde vive a massa de funcionários e militares, dos mercadores por grosso ou do mercado, dos artífices agrupados em corporações com o seu respectivo jurista ou alfaqui, dos homens do campo. É ele quem guarda a chave do tesouro das fundações pias, que parentesco com a medieval arca da piedade!. É ele quem zela pelos mesquitas, pelo ensino pela pureza ideológica. E já se reparou no parentesco destes regulamentos de Sevilha com os costumes e forais portugueses dos séculos XII e XIII?
Silves, Faro, Tavira, Mértola, Évora, Lisboa foram capitais de episódicos estados independentes e gozaram sempre neste período de larga autonomia política. A Lisboa de Osberno é uma comuna mercantil mais velha que a maioria das suas irmãs do ocidente europeu. O mesmo se passa com as comunas de Tavira e de Faro. Só em Almeria haveria tesouros, acumulados nas mãos de mercadores e banqueiros, desses que sabiam tirar partido das flutuações dos câmbios e da armazenagem? Quem susteria as armas e os navios de Tavira contra os almóadas? Que cidades alimentaram afinal o fabuloso tesouro de Sancho I, disperso pelas praças-fortes de Évora, Belver, Tomar, Santarém, Alcobaça e Coimbra? Teria o Povoador plantado e colhido maravedis? Proviriam os morabitinos dos rendimentos do famoso caminho de Santiago?

Aceita-se geralmente a contribuição do Islão na propagação das técnicas de rega, da bússola, do papel e no aumento do pomar peninsular sem se ousarem conclusões necessárias. A fisionomia do Portugal agrário que está morrendo aos nossos olhos moldou-se em boa parte pelo arquétipo do Andaluz mourisco, mesmo quando não é ele o autor das técnicas, mas o seu último transmissor. Apaguem por um momento dos campos de Portugal as sombras do pessegueiro, do limoeiro, da laranjeira, da nespereira, da ameixoeira, da alfarrobeira; recue-se para sul a oliveira, suprimindo a comercialização do azeite e da azeitona rareiem-se as amendoeiras e as folhas largas da figueira com o seu almeixar; suprimam-se as noras, os alambiques, as alquitarras; intensifique-se a vinho no Alentejo e no Algarve; retirem-se da periferia das cidades a mancha verde das hortas, dos meloais, das forragem castrem-se os cavalos de Alter; afoguem as azenhas ou calem o canto dos moinhos de vento (Ibne Mocana Alisbuni), debalde cantaste na tua Alcabideche desse século XI:
  • Se és homem decidido precisas de um moinho que trabalhe com as nuvens sem dependeres dos regatos; abatam a camartelo as muralhas do centro e do sul cujo risco, pala lá das reparações e dos acrescentos posteriores, foi obra dos seus alarifes ou arquitectos; desmontem as almenas, as abóbadas do chamado gótico alentejano, as fontes abobadadas; piquem as taipas, os estuques; destruam os casas de adobe caiadas de branco por dentro e por fora; enterrem os azulejos queimem as esteiras, as alcofas, os capachos, os tapetes; rachem os alguidares; tentem destruir os couros, os arreios, os cobres, as grades geométricas. Que nos fica?
In António Borges Coelho, Portugal na Espanha Árabe, História, Colecção Universitária, Editorial Caminho, 1989, ISBN 972-21-0402-0.

Cortesia de Caminho/JDACT