segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina. José Augusto França. «… finais de Quinhentos e do século seguinte, o Bairro Alto, em termos de arquitectura e de urbanismo racional, e o aqueduto que em França se descrevia como a mais magnífica e a mais sumptuosa empresa (do) género, terminado em 1748. Bairro e aqueduto pouco ou nada sofreram com a “catástrofe de 1755”»


jdact e cortesia da wikipedia

O Terramoto. Seus Efeitos e Medidas Tomadas
«A história de Lisboa, e com ela a do país inteiro, ficou marcada pelo terramoto que, na manhã de 1 de Novembro de 1755, destruiu quase completamente a velha cidade que vivia então os restos da sua opulência. Numerosos tremores de terra ela sofrera já através dos séculos, os de 1531 e 1597 foram especialmente calamitosos, jamais, porém, com a intensidade e a magnitude deste, que foram posteriormente calculadas em adiantado, ou no último, grau das escalas sismológicas de MSK e de Richter, e pela primeira vez na história isso acontecia a uma cidade de um quarto de milhão de habitantes.
Uma vasta literatura internacional, em que figuram os nomes de Voltaire e de Kant, ocupou-se do trágico acontecimento, figurado também em numerosas gravuras de fantasia por todo o lado publicadas. Mais fiéis, por terem sido gravadas sobre esbocetos feitos no local, as de Philippe Le Bas, gravador régio em Paris, permitem-nos avaliar, em construções monumentais, a amplitude e o significado dos danos.
Não que Lisboa fosse uma cidade monumental: ela crescera, desde os tempos medievais, dentro e fora de duas sucessivas muralhas, a dos Mouros e a do rei Fernando, concentrara-se na planura, perto do Tejo, a poente do castelo que a defendera, e espalhara-se pelas colinas, num constante contacto rústico. Na altura do terramoto, um memorialista digno de fé, Ratton, descreve-a num recinto que abrangia o bairro de Alfama, bairro do Castelo, Mouraria, rua nova, Rocio, bairro alto, Mocambo, Andaluz, Anjos e Remulares, contando no resto, que logo depois conheceu princípio de urbanização, Santa Clara e Sant’Ana, o Salitre, Cotovia de baixo e de cima, Boa Morte e Alcântara, apenas algumas casas aqui e acolá à borda de caminhos que atravessavam por terras cultivadas.

Gravura de La Bas

Gerada, nos seus bairros, em torno de igrejas paroquiais e de palácios da nobreza, em aglomerados populacionais que se iam encadeando, a cidade jamais contara com projectos ou reformas de urbanismo e a denúncia da fábrica que falece à cidade de Lisboa feita em 1571 por Francisco de Holanda teve sucessivas verificações nas páginas de viajantes estrangeiros. Todos os (...) que vêm a Lisboa se admiram de não encontrar um edifício que mereça a menor atenção, escreveu-se já em 1755. Uma cidade de África, dizia um cronista francês, uma fermosa estrivaria, acrescentava o Cavaleiro de Oliveira do seu exílio londrino…
Na verdade, as suas ruas estreitas, sujas e incómodas, a incomodidade das suas casas e o vazio dos seus palações definiam estruturas e hábitos que uma arquitectura pobre simbolizava, com algumas excepções, num ou noutro palácio mais cuidado a partir do domínio espanhol seiscentista, cujo arquitecto titular, o italiano Filippo Terzi, fornecera à cidade o modelo duma igreja, S. Vicente-de-Fora, e um palácio real que, sucessivamente embelezado, seria, na primeira metade do século XVIII, sob João V, a expressão dum gosto faustoso que o novo ouro do Brasil e os seus diamantes pagavam. O rei-sol português, empenhado na obra do convento-palácio-igreja de Mafra, não pôde, porém, dar corpo ao seu sonho de uma grande igreja patriarcal e dum grande palácio que Iuvara chegou a vir estudar a Lisboa, e a decoração dos dois edifícios de que dispunha havia de bastar-lhe. Ao mesmo conjunto arquitectónico consagrou o rei José I, subido ao trono em 1750, todo o seu interesse, especialmente manifestado pela edificação dum luxuoso teatro de Ópera, traçado em Itália por um Bibiena, e inaugurado sete meses antes do terramoto que inteiramente o destruiu.


Duas obras vinham, porém, deste passado variado que contrastavam com o seu teor ocasional: um bairro, construído a partir dos princípios do século XVI e sobretudo significativo na vida lisboeta dos finais de Quinhentos e do século seguinte, o Bairro Alto, que beneficiara da vizinhança dos Jesuítas de S. Roque, senão, em termos de arquitectura e de urbanismo racional, do seu espírito severo e rígido, e o aqueduto que em França se descrevia como a mais magnífica e a mais sumptuosa empresa (do) género, e, terminado em 1748, fora devido a impostos lançados durante o reinado de João V. Bairro e aqueduto pouco ou nada sofreram com a catástrofe de 1755». In José Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto Camões, 1986.

Cortesia de I. Camões/JDACT