sábado, 19 de janeiro de 2013

Política, História e Cidadania. Jaime Cortesão. Elisa Neves Travessa «A ideia de um movimento cívico e cultural, de cariz inovador e renovador em luta contra o decadentismo finissecular, germina no espírito do poeta desde muito cedo. Implantada a República, Cortesão considera que estão criadas as condições…»


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Renascença Portuguesa e a Guerra
O projecto cultural da Renascença Portuguesa. O contributo de Jaime Cortesão.
Profeta dessa ideia
«Interessa-nos destacar o papel desempenhado por Cortesão na emergência do grupo Renascença Portuguesa, ideia surgida e fomentada no espírito do autor, paternidade confirmada pelo próprio. Neste contexto, importa questionar: Será que essa ideia surgiu meteoricamente no espírito de Cortesão? O percurso do escritor e o contexto cultural e mental do Portugal de finais do século XIX, inícios do século XX, fornecem indicações claras para que possamos dar uma resposta negativa.
A necessidade de afirmação da memória nacional e a falta de confiança das elites e de parte da opinião pública nas possibilidades de regeneração da pátria intensificam-se em Portugal na última década de Oitocentos. A luta contra o perigo de dissolução da identidade nacional justificara, por exemplo, um investimento no comemorativismo e na vulgarização histórica. As estratégias de união dos indivíduos, como meio de reanimar o sentimento patriótico e por ele regenerar e renovar a sociedade portuguesa, possuíam também intenções doutrinárias e políticas. A resistência ao regime constitucional monárquico e a reacção patriótica antibritânica congregaram em torno de algumas iniciativas, como é o caso do Centenário da Índia (1898), grupos de republicanos interessados em propagandear os seus ideais.
Em 1911, ano em que Cortesão sugere a criação de uma associação de artistas e intelectuais, já a I República contava um ano e a questão da natureza do regime não se colocava com tanta pertinência. O que movia então este homem e os que o apoiaram? Pensamos que o princípio básico que os congregou já havia determinado a acção de outros intelectuais nas décadas que os precederam. Lembremos a Geração de 70, nomeadamente Antero, por quem Cortesão já tinha expressado admiração na sua tese de licenciatura em Medicina. A consciência da decadência do presente, o diagnóstico dos males que afectavam a sociedade do seu tempo, a necessidade premente de conhecer as causas e de encontrar soluções para reabilitar a Pátria e, ainda, o papel que as elites desempenhavam nesse processo de renovação cultural e espiritual está presente no espírito dos homens do último terço do século XIX e também no pensamento de Cortesão e dos que o acompanharam neste primeiro voo em comum. Antero, como toda a Geração de 70 considerava que os males acumulados do passado histórico haviam descaracterizado a originalidade do carácter nacional e que o único meio de reverter a situação seria o de se constituir um movimento colectivo capaz de erguer as energias nacionais, lutando contra uma nação imobilizada e apática. O ponto de vista de Antero e profundamente idealista e a regeneração dos grupos de intelectuais revelava-se fundamental para a consumação da regeneração social e política.
Também Cortesão determina em 1910 um sentido de voo profundamente idealista e espiritualista. No texto O Poeta, o autor apresenta a sua crença nas possibilidades de o poeta transformar na sua essência o coração dos homens, que é de gelo e pedra (...) os Poetas desvendam, franqueiam outros mundos que estão à nossa volta, sob os nossos pés, ao alcance dos nossos braços, em contacto connosco, dentro de nós mesmos e que sendo ate aí os vedados e longínquos paraísos, tornam-se assim a habitação comum de todos os homens. Aos artistas, à elite intelectual, cabia o esforço de mobilização para realizar uma profunda alteração nos valores e costumes morais da sociedade portuguesa. Uma elite unida pelo voto de serviço social, mas laica, inconformista e actuando em todo o mundo. As suas palavras e as suas intenções ao fundar a Renascença reflectem ainda uma reacção ao cientismo e ao positivismo, como vimos na poesia, pelo regresso à livre metafisica, ao idealismo e ao espiritualismo romântico.
A ideia de um movimento cívico e cultural, de cariz inovador e renovador em luta contra o decadentismo finissecular, germina no espírito do poeta desde muito cedo. Implantada a República, Cortesão considera que estão criadas as condições para a concretização da sua ideia, em virtude da consciência do agravamento da crise política e moral, que, para Cortesão, era mais que uma crise social, era uma verdadeira crise de consciência que exigia uma transformação cultural e moral. Comunica-a a Teixeira de Pascoaes, a quem carinhosamente trata por divino Poeta, numa carta escrita em São João do Campo, em 4 de Agosto de 1911:
  • Eu fiz-me um pouco profeta dessa ideia e uns dias que estive em Lisboa e em que a preguei, notei que era de todos muito bem aceite. O fim da Associação de Artistas e intelectuais, todos muito bem escolhidos, seria pugnar pela Arte, dentro da Arte pelo espiritualismo e estabelecer uma forte corrente orientadora dentro desta Terra tão desorientada, poderia fazer, da Águia o seu orgão e dar-lhe-ia uma feição orientadora, educativa e crítica para restituir a Raça ao seu profundo sentido.
Uns dias antes de redigir esta carta, Cortesão comunicava a outro dos colaboradores de A Águia a ideia de dar forma a esse projecto cultural». In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, ASA Editores, Setembro de 2004, ISBN 972-41-4002-4, obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006.

A amizade da Elisa
Cortesia de Edições ASA/JDACT