A Cidade Medieval
«Lisboa nasceu do rio,
do largo estuário do Tejo que nos princípios do Quaternário se sabe estar unido
ao Sado na grande depressão hispano-lusitânia na qual emergia como ilha a serra
da Arrábida. Do Paleolítico em diante, já há muito definida a península
fronteira, o sítio futuro de Lisboa teve habitantes que deixaram vestígios
de instrumentos e objectos de indústria no seu solo arqueológico, e logo pelo
monte cimeiro do estuário, a poente, uma das sete colinas que algo confusamente
se nomeariam no século XVII. O sítio, protegido do oceano mas a ele ligado por águas
tranquilas, com montes e vales férteis sob um clima ameno, naturalmente atraiu
populações que sucessivamente invadiram e ocuparam o território extremo da
península da Hispania, no dizer dos Fenícios
que terão sido os primeiros povoadores mais demorados do local a que deram o
possível nome qualificativo de Alis ubbo, com o significado suposto
de enseada
amena. Permaneceram seis séculos, do XVII ao VI a. C., sem que até nós
chegassem vestígios seus, e cederam lugar a Gregos e Cartagineses, e
estes, cerca de 195 a. C., aos
Romanos seus vencedores, ocupantes se define e organiza.
Instalados durante mais
de seis séculos no local já conhecido, os Romanos chamaram-lhe Olisipo e Olisipone, que, por confusão com Odysseia, que Estrabão situa na Andaluzia,
dizendo-a fundada por Ulisses-Odysseus
por este se supôs fundada, numa lenda adoptada por Damião de Góis e de persistente memória, e Felicitas Julia, como
posterior nome oficial, em homenagem a Júlio César. Ali desenvolveram eles uma
colonização que passava pela edificação do equipamento cívico necessário à sua civilização.
Nada restou disso, a não ser vestígios epigráficos e um ou outro elemento
arquitectónico descoberto no subsolo da cidade desde meados do século XVIII,
com especial relevo para um vasto teatro dedicado a Nero que foi objecto
recente de escavações, na zona de S. Mamede-Caldas. Uma inscrição data-o
de 57 d. C.. Na mesma zona existiram
termas dos Cassios, construídas por 49
a. C. e reconstruídas em 336 d. C.;
e na Rua da Prata, esquina da Rua da Conceição, outras termas dos
Augustaes,
construídas sob Tibério (c.
20-35 d. C.) e reconstruídas sob Constantino,
como as outras. À Madalena existiu uma grande construção, provavelmente
um templo consagrado a Cibele,
cujos vestígios revelam importância e riqueza. Outro, dedicado a Tétis, terá existido também no
local da Igreja de S. Nicolau, e encontraram-se vestígios duma torre ou
atalaia romana na esquina da Rua da Conceição com a dos Sapateiros,
enquanto uma tradição discutida supõe
implantada ao alto da Rua Vítor Cordon uma casa de recreio dos pretores.
Tais são as notícias
mais ou menos concretas que chegaram até nós, e, a partir delas e de outros
vestígios, registando os locais referidos, pôde tentar-se esboçar um traçado
hipotético da urbanização de Olisipo. Aparece ali um sistema de
vias, a primeira das quais, partindo do sítio actual das Portas do Sol-Contador-mor, circundaria o
monte do Castelo a meia encosta, bifurcando-se em Santo André, para
Norte, pela calçada de Santo André e Olarias, e, para nascente, na direcção
de S. Vicente, círculo que seria cortado por uma secante entre a Porta
da Alfofa e S. Tomé; outra via, saindo também do Contador-mor,
partiria para poente até à Porta do Ferro, a Sant’António da Sé,
e seguiria para Norte, pela Madalena, S. Mamede e S. Nicolau, para S.
Domingos, bifurcando-se em S. Nicolau para atingir o Borratém e
prosseguir pela Mouraria e Benformoso; da Porta do Ferro partiria
outra via para nascente, até à Porta da Alfama e daí pela linha das ruas
dos Remédios e do Paraíso.
O centro desta zona
seria a parte mais povoada da urbe, comportando uma via principal, entre Sant’António da Sé e as Portas dos Sol,
e um bairro de maior luxo, entre a Madalena,
S. Mamede e S. Nicolau. Pelo meio, o Forum, junto à basílica, ou outro
templo, que estaria na base da futura Sé; ao cimo do monte, um castellum
defensivo».
In José Augusto França, Lisboa.
Urbanismo e Arquitectura, Director da Publicação Álvaro Salema, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas
Gráficas da Livraria Bertrand, série Artes Visuais, Instituto Camões, 1980.
Cortesia de I.
Camões/JDACT