«A avaliar pelo caso da Arruda, essa tradição
mais popular ter-se-á mantido para lá de finais da época medieval, estando apta
a adquirir novas características e a adaptar-se a outras solicitações. Nessa
perspectiva, ela poderia oferecer uma explicação diferente para o
desenvolvimento das festas conhecidas como as Cavalhadas, que se tornaram
frequentes desde meados do século XVI e que chegaram aos Açores e ao Brasil,
sem necessidade de as olhar como uma paródia dos jogos equestres da
aristocracia. No actual território brasileiro, onde as cavalhadas tinham muitas
vezes lugar durante as festividades do Espírito Santo, vindo a ganhar um sabor
aristocrático no decurso do século XVIII, um dos mais antigos testemunhos
continuava a fazê-las coincidir com os dias faustos das bodas e dos casamentos.
Mas essa é já uma outra história, por muito que nela ecoem alguns dos costumes
herdados da antiga cavalaria vilã.
Apêndice Documental
Nº 2
[1434]. Arruda
Costumes da Vila de Arruda passados a escrito por ordem do Infante
João, governador da Ordem de Santiago.
Titolo dos caualleiros de costume e o que ham
de pagar Em cada hüu anno de cauallarjas e das liberdades que elles ham em suas
vijdas e depois de suas mortes suas molheres e seus filhos.
jtem todo aquelle que for caualleiro de costume ha de pagar
em cada hüu anno tres lyuras de moeda amtijga ou por cada hüa lyura aquello que
el Rej manda em sua hordenaçom esto ha de pagar per todo o mes de mayo E sse
per uemtura algüu caualleiro scusar de nom pagar ha de pagar per esta guisa que
se adijante segue
jtem o que non quiser pagar em o dicto mes ho almoxerife
deue de mandar ao porteiro da hordem que vaa lamçar hüa porta do que assy non
quiser pagar fora do conçe [sic] e lamça lla em terra E o que for caualleiro
non a ha de alçar a menos que non pague assy de noite como de dija em todo o
dicto mes de mayo e alçamdo a aquelle a que assy for deRibada ante que pague aa
de pagar de pena ao Senhorio seis mjll solidos E leixamdo o dicto caualleiro
Jazer a dicta porta em terra por todo o mes de mayo non pagamdo a dicta
cauallarja E passado o dicto mes de mayo o porteiro do Senhorjo ha de vemder
primeiramente a dicta porta E sse per ella non for pagada a dicta cauallaria o
dicto porteiro ha logo de thomar tamtos dos beens do dicto caualleiro os quaees
logo ham de seer vemdidos E arrematados per que o Senhorjo aJa ha dicta
cauallaria
Jtem todo aquelle que for caualleiro e se quiser deçer e se
quiser fazer esto pode fazer em todo o dicto mes de mayo e mais non E sse non
quiser deçer de caualleiro elle senpre fica caualleiro posto que non pague a
culpa non he em elle saluo no almoeriffe porque ho non manda penhorar e vemder
e arrematar seus beens do caualleiro que non quer pagar
Jtem todo aquelle que for crelligo de hordeens meyores ou
fidalgo de ljnhagem ou caualleiro d espora douradas estes non pagarom
cauallarja nem oitauo E morrendo ho crelligo de hordeens meyores sua molher e
sseus filhos ficam oytaueiros atee que os dictos seus filhos sejom de jdade
comprida que se façam caualleiros se quiserem Ou se ha dicta sua molher se
casar com caualleiro de costume ou com outro algüu que se faça caualleiro non
pagara majs oitauo.
Jtem morremdo algüu caualleiro de costume sua molher e seus
ffilhos Em mentres esteuerem em sua homrra non ham de pagar cauallaria nem
oytauo
Jtem Se per vemtura algüu ffilho de caualleiro for de
hidade que se case E sse quiser fazer caualleiro tal como este os homeens boons
o faram caualleiro segumdo costume e elle pagara a cauallarja e non pagara par
de framgõos ao alcaide segumdo os outros que nom som filhos de caualleiro ham
de pagar
Jtem todo aquelle que se quiser fazer caualleiro ha de caualgar em
çima de hüu cauallo e hijr peramte os Juizes e vereadores procurador e homeens
boons do comçelho E o alcaide que he posto por o senhorio E o que quiser ser
caualleiro ha de dizer assy aos dictos Juizes e homeens boons Eu quero ouyr e
gouuyr dos vsos e foros e boons costumes e quero sser caualleiro E emtam diram
os homeens boons e alcaide que ho am por caualleiro E sse nom ffor ffilho de
caualleiro ha de pagar ao alcaide hüu par de framgõos e depois que os teuer ho
alcaide emtom dira que lhe apraz de ser caualleiro E este que se assy faz
caualleiro ha se de fazer per todo o mes de mayo E nom se fazemdo em todo o
dicto mes fiqua oytaueiro.
titolo
do rellego que a hordem them em a dicta vijlla e dos derreitos que a ella
pertençem.
In Luís Filipe Oliveira, Os
cavaleiros de carneiro e a herança da cavalaria vilã na Estremadura, Os casos
de Arruda e de Alcanede, Companhia Portuguesa Editora, 1925, Medievalista,
Instituto de Estudos Medievais, Universidade do Algarve, 2005.
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