Introdução à leitura
da Década Quarta de Diogo do Couto
«São diferenças em toda a
parte. Nas Molucas entre Garcia Henriques e Jorge Meneses, antigo e novo
capitães de Ternate, em tempo em que os castelhanos disputavam connosco a
supremacia naquelas ilhas. Jorge Meneses manda prender Garcia Henriques em
ferros. Depois Garcia manda prender Jorge. Os sequazes de Jorge ameaçam obter a
aliança dos castelhanos contra o antigo capitão.
Jorge Meneses vê-se livre de
Garcia. No exercício do poder singulariza-se por vexações e crueldades, que o cronista
acha indignas de portugueses. Sucede-lhe Gonçalo Pereira que o manda prender. O
novo capitão descontenta os portugueses. Um português chamado Vicente Fonseca
faz-se cabeça da conspiração. O capitão é assassinado, sucede-lhe -o conspirador.
É um tempo de revoltas. Não há
soldados que queiram ir à Sunda, onde faz falta uma fortaleza nossa. Enganam os
soldados. Dizem-lhes que vão às presas. Do que eles gostam é de ir às presas.
Descobre-se o segredo. Os soldados amotinam-se e põem fogo à armada.
Couto nutre a maior admiração por
Nuno da Cunha, governador que sucede ao usurpador Lopo Vaz. No primeiro Soldado
prático aparece aquele como espelho de governadores. E todavia Nuno da
Cunha, que parte de Lisboa em Março de 1528, só chega a Goa em Novembro de 1529. Teve uma viagem desastrada, envolveu-se em
guerras pelo caminho. Os nossos quiseram submeter Barém, sofreram um desaire
colossal. O primeiro objectivo assinalado pelo rei ao novo governador é a tomada
de Diu e a construção de uma
fortaleza nesta praça. Nuno da Cunha recebe verbas excepcionais, reúne armadas
tremendas. Mas antes do seu exercício e durante perdem-se as ocasiões mais
propícias. Em vez de Diu toma-se a ilha
de Beth (como escreve Couto), onde somos causa directa ou indirecta de um
massacre geral. É verdade que se constroem as fortalezas de Chale, de Baçaim,
finalmente de Diu, que se obtêm (mas
depois se devolvem) os territórios de Salsete e Bardês. E o rei de
Cambaia, que, ameaçado pelos Mogores, nos faculta a tão almejada praça,
acaba por morrer às nossas mãos. Couto atenua: por precipitação de um português
de baixa
sorte.
Estes são os factos. A edificação
resulta da maneira como são contados. De como são interpretados e comentados,
quando se prestam a isso. Em Cochim, Lopo Vaz Sampaio acaba de obter
sentença em seu favor. É governador da
Índia. Começa a dispor. A Cristóvão Mendonça, que foi seu adversário,
fá-lo capitão de Ormuz. Atribui-lhe um galeão, uma caravela e dois bergantins.
Nestes navios carregam-se os provimentos necessários àquela fortaleza, e muita
fazenda de El-Rei para se lá vender.
Logo o contraste. Lopo Vaz procede
como os governadores do tempo da virtude, não como eles vieram mais tarde a
praticar: neste tempo [o de Lopo Vaz] não tratavam os governadores, nem tinham o
dinheiro de El-Rei debaixo de suas camas, antes o meneavam em proveito da fazenda
de El-Rei, e não no seu.
De Nuno da Cunha o ditirambo anuncia-se,
logo que ele começa a preparar a conquista de Diu. Para a jornada, o governador mandou ajuntar
e negociar mui grandes apercebimentos. Não dá ponto sem nó. Requisita
todos os navios que naquele porto [de Cochin] houvesse assim de El-Rei, como de partes.
Não havia, quando ele governava, salários em atraso. Ordenou que se pagasse a
toda a gente que se pudesse achar, apta para o fim em vista. Para todos
previu embarcações, soldos e mantimentos. Couto bate muito nesta
tecla. Soldados contentes são aqueles a quem não faltam soldos nem mantimentos.
Nuno da Cunha não consentia que, da fazenda dessa gente, se gastasse coisa
alguma. Tratava bem os homens, e esse é o dever do bom governador. Fossem eles
portugueses, ou da terra. Assim, passou provisões ao Vedor da Fazenda e a
todos os oficiais para fazerem estas despesas, encomendando a todos que, à
gente de El-Rei de Cochim, se lhes fizesse muitos mimos, e nenhum agravo…
In Diogo do Couto, Década Quarta da Ásia,
volume I, coordenação de M. Augusta Lima Cruz, Coimbra Martins, Fundação
Oriente, 1999, ISBN 972-27-0876-7.
continua