sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Que Segredos Guardam Afonso Henriques e o Mestre Templário Gualdim Pais? A Comenta Secreta. Maria João Pardal e Ezequiel Marinho. «Gualdim Pais surgiu à porta da igreja, do lado direito do parte-luz. Era um homem alto e impunha respeito. Sobre a cota de malha tinha uma túnica branca, com uma cruz vermelha»

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«É curioso voltarmos a encontrar-nos! Olha, este é o meu tio Abraão, que também estava comigo... Como te chamas tu? Renato ergueu o sobrolho numa expressão de curiosidade e, soltando uma gargalhada, levantou a perna esquerda, passando-a por cima do pescoço do cavalo, e deu um salto para o chão ficando mesmo em frente de Abel. Cumprimentou o homem mais velho com uma vénia respeitosa e dirigiu-se ao jovem:
 - Renato... Chamo-me Renato Moniz... e tu? O que fazes aqui? - Sabes senhor a minha família chegou cá quando a Torah (livro sagrado dos judeus, corresponde aos cinco primeiros livros do Antigo Testamento, onde são narrados a história do mundo, a história dos homens, os mandamentos divinos e as relações entre o homem e o divino) era livro único entre nós, os Judeus. Depois, alguns mercadores da minha parentela seguiram a mensagem do profeta (Maomé), mas não deixaram de ser a minha estirpe.
Os dois jovens cumprimentaram-se num abraço fraterno e ficaram a conversar por longos minutos. - Chamo-me Abel... Ainda bem que nos encontramos de novo, Renato. Com dois cobertores debaixo do braço, o monge cisterciense afastou-se. Tinha dado por bem empregue o uso de duas moedas. Renato e Abel continuaram a conversar. - Para onde vais? - Perguntou Abel. - Vou lá acima ao castro de Santa Eufémia, tenho saudades de ver Lixbuna. Nunca lá foste? - Não!!! Não conheço! - Então monta comigo no meu cavalo e subimos os dois. As nuvens estão a desaparecer e como paira no ar uma bruma húmida, a paisagem é bem bonita.
E assim iniciaram uma longa e bonita amizade, marcada por inúmeros encontros e desencontros, que durariam toda a vida.

O Mensageiro
Naquele dia de Todos os Santos tinha-se celebrado um Te Deum na Igreja de Santa Maria de Cintra e o cheiro a incenso ainda pairava no ar. Tal era a frequência de pessoas nas celebrações litúrgicas que muitas vezes, o incenso tinha a função de purificador do ar. Gualdim Pais, sexto Mestre dos Templários portugueses (os templários estabeleceram-se no Condado Portucalense por volta de 1124 e até fr. Pedro Arnaldo, os Mestres foram franceses e borgonheses), tinha dedicado uns momentos de silêncio e oração à memória do seu antecessor fr. Pedro Arnaldo. Este falecera um ano antes, no dia de São João, em combate contra os muçulmanos, aquando da primeira tentativa de conquista de Alcácer do Sal, durante a escalada às muralhas. Gualdim estivera com ele nesse dia fatídico, tendo lutado juntos ao lado d'El-Rei Afonso Henriques.
Lá fora, o mensageiro aguardava, enquanto apreciava o magnífico trabalho de escultura do pórtico da igreja. Era lindíssimo; todo ele em pedra, com um frontão triangular, onde se inscrevia um arco contra-curvado, suportado por cinco colunas, duas de cada um dos lados da entrada e ao centro da porta, um mainel, imediatamente abaixo da intercepção dos dois tramos dos arcos; quase a construção de um triângulo apoiado por cinco colunas. Renato e Abel detiveram-se junto do pequeno adro. O jovem escudeiro ouviu o barulho das esporas nas lajes de pedra da igreja e ficou atento: - O Mestre aproxima-se! - pensou.
Quase de imediato, em passo cadenciado, Gualdim Pais surgiu à porta da igreja, do lado direito do parte-luz. Era um homem alto e a sua pose impunha respeito. Sobre a cota de malha tinha uma túnica branca, com uma cruz vermelha arredondada sobre o peito. Exactamente o mesmo tipo de cruz que o mensageiro trazia no seu escudo. Ajeitou a capa branca de lã cardada e colocou-a sobre os ombros. - Senhor, é este o mensageiro - disse-lhe Renato, segurando as rédeas do cavalo.
Gualdim cumprimentou-o com um forte aperto de mão e subiu para o animal. O outro homem acompanhou-o. Renato, não identificando o mensageiro, notou alguma familiaridade entre ambos. Quem seria o misterioso homem? - pensava. Os dois cavaleiros seguiam par a par. Renato e Abel, ligeiramente mais atrás. Tomaram o caminho que levava à fontinha da Sabuga e desceram uma alameda com plátanos frondosos. - Que novas trazeis d'El-Rei, meu bom Lopo? - perguntou o Mestre, com visível entusiasmo. - Trago uma missiva e saudações corteses. E vós, como tendes passado fr. Gualdim Pais? - perguntou Lopo Fernandes, com respeito e reverência.
 - Recomendo-me!


A neblina tinha acalmado e o sol parecia querer surgir a medo. Os cavaleiros prosseguiam caminho e Lopo Fernandes continuava a conversa com Gualdim Pais. - A lápide que ordenastes que fosse colocada em Santa Maria da Alcáçova (em Santarém, sede dos templários, logo a seguir à conquista da cidade), onde repousa fr. Pedro Arnaldo, está concluída senhor. Tal como determinastes, assim se colocaram os dizeres:

No ano do Senhor de 1154, e havendo sete anos
Que esta cidade se ganhara, reinando El-Rei Dom Afonso,
filho do conde Dom Henrique e sua murher a rainha
Dona Mafalda, foi fundada esta igreja em honra de
Santa Maria Virgem Mãe de Cristo, pelos cavaleiros
do Templo de Jerusalém, mandando o Mestre Hugo,
e tendo dirigido a construção Pedro Arnaldo.
Suas almas descansem em paz. Ámen.

 - Folgo em sabê-lo. Paz à alma do nosso Mestre e irmão! - disse Gualdim, benzendo-se e baixando a cabeça em sinal de pesar, gesto que Lopo Fernandes acompanhou. - Mas dizei-me bom Lopo, o que vos trás a estas paragens? - inquiriu o Mestre». In Maria João Martins Pardal e Ezequiel Passos Marinho, A Comenda Secreta, Ésquilo, Lisboa, 2005, ISBN 972-8605-58-7.

continua
Cortesia de Ésquilo/JDACT