(Continuação)
«Ao elaborá-lo Herculano não
se dava conta da realidade que se desenrolava diante dos seus olhos, que para
alguns dos seus contemporâneos era iá perfeitamente clara:
- o capitalismo industrial e financeiro dominando a economia mundial, e integrando as economias mais atrasadas;
- certas características dessa estrutura, em especial o papel dirigente do capital financeiro; a criação de grupos sociais vertebrados por essa estrutura económica;
- e por fim o revestimento político desses grupos sociais, que são os partidos políticos parlamentares.
Desse imponente edifício perfeitamente articulado não teve Herculano a visão de conjunto, e apenas
viu um pormenor sem compreender que esse pormenor depende da estrutura geral do
edifício a que pertence. Em vez desta realidade sua contemporânea Herculano tinha presente uma certa
visão da história da Idade Media portuguesa inspirada nos historiadores românticos:
a estrutura rural do país na fase em que o numerário era escasso e a banca desempenhava
uma função muito restrita, a organização dos concelhos, agremiações soberanas
em que se organizavam, para resistir às violências da nobreza, os agricultores
não nobres, dispondo de força política dentro de uma federação nacional de
concelhos e senhorios, aliados, mais do que subordinados ao rei, etc. etc., todo
um nundo sobre o qual tinha passado a criação do comércio e da banca europeias
a partir do século XII; depois a expansão do comércio mundial com os
descobrimentos do século XV; depois a revolução industrial inglesa do século XVIII;
depois a concentração industrial do século XIX…
Documentos. Colaboração
de Herculano n’O Portuguez
N.º 1, 11 de Abril de 1853
O Portuguez, cujas aspirações são o representar e defender os
interesses das classes que constituem a força viva de nação, os verdadeiros contribuintes,
os que criam os valores aonde o fisco vai buscar pelo tributo os recursos para
manter a ordem social, e mover a máquina da administração pública, sai à luz em
circunstâncias assaz graves e difíceis. Necessita por isso de fixar bem os
princípios que professa; o alvo a que pretende atingir. Franco e leal, como o
povo cujo nome se apropriou; como o povo que tantas vezes, as facções caluniam
e que as paixões dos partidos só raramente e por pouco tempo alcançam desvairar,
o Portuguez
não lutará na arena em que se debatem os interesses de pequenos grupos, das
parcialidades politicas que só parecem
importantes e grandes porque tumultuam e bradam, enquanto as verdadeiras
maiorias, os que guiam a charrua ou põem em movimento o tear, atentos à voz da
família que lhes pede o pão, e à do exactor que lhes pede o tributo, não têm
tempo para se associarem aos dramas de ambições opostas, que, enredadas nos
clubes, vêm ter o seu desfecho nas praças das grandes cidades ou no recinto das
assembleias parlamentares». In António José Saraiva, Herculano
Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.
continua
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