quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Macau Histórico. Edição de 1926. Carlos Montalto de Jesus. «Segundo o relato de Mendes Pinto, em cinco horas, uma força de sessenta mil homens e mais de trezentas embarcações reduziu Liampó a um monte de ruínas, uma catástrofe que custou as vidas de doze mil cristãos, dos quais oitocentos portugueses, que morreram nas chamas»

 Tratado das Cousas da China, frei Gaspar da Cruz

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«O comércio, calculado em mais de três milhões de ouro (cruzados, evidentemente), rendia três ou quatro vezes o capital investido. A comunidade era de mil e duzentos portugueses e mil e oitocentos orientais, que por ali prosperavam sem ser molestados pelos piratas. Ao sul, no entanto, os portugueses eram muitas vezes vitimados e o comércio entre Malaca e Liampó disso se ressentia fortemente.
Por fim, António Faria, arruinado, resolveu vingar-se. Com o apoio dos seus companheiros equipou uma expedição contra o seu saqueador, o famoso corsário Coja Acém, terror da costa chinesa. A partir do Sião, Faria esmagou muitos piratas poderosos, e uma das vitórias impressionou tanto os chineses que estes lhe enviaram uma deputação, oferecendo-lhe um tributo de vinte mil taéis e solicitando a sua protecção como rei dos mares. Ele de boa vontade aceitou e emitiu salvos-condutos, pondo como condição que os portugueses fossem tratados de forma fraternal pelos chineses sempre que se encontrassem. Foi tal a procura de salvos-condutos que, cobrando cinco taéis a cada junco e dois a cada embarcação menor, um funcionário juntou, em trinta dias, quatro mil taéis, além de valiosos presentes de mercadores ansiosos de obter os seus documentos. Animada com a captura da noiva de um marinheiro chinês e do seu séquito, a expedição teve a seguir a fatalidade de naufragar numa ilha deserta, e a perseguição teria terminado aí não fosse o apresamento de um barco que casualmente lá aportou para se reabastecer de água.
Então, com a frota de um pirata chinês, Faria terá eventualmente conseguido alcançar, derrotar e matar Coja Acém e a sua horda, não dando quartel nem aos feridos e doentes encontrados em terra. A frota vitoriosa, carregada de ricos espólios, perdeu-se parcialmente num tufão, e a detenção em terra, de um grupo de náufragos, terminou numa movimentada cena. Para a libertação dos homens, Faria enviou ao mandarim uma petição e presentes, segundo o uso do país; isto não conseguiu satisfazer o mandarim, que prometeu apenas atender com o peticionário prostrado a seus pés. Faria, muito ofendido, exigiu a libertação, em termos de igualdade referindo o rei de Portugal e o imperador da China como amigos e irmãos. Altamente provocado com esta comparação, o presumido valido do Filho do Céu declarou que, como na petição se lhe haviam dirigido como a um grand seigneur, se tinha compadecido apesar de os presentes serem insignificantes; mas ordenava a Faria que partisse de imediato, sem mais negociações, pois tivera a ousadia de se intrometer em assuntos celestiais. Um resgate substancial foi rejeitado e o mensageiro barbaramente tratado. Em consequência disto os portugueses desembarcaram e marcharam sobre a cidade de Nou-day (Nan-wei?) e, ao esplendor das bandeiras, dos toques de gongo e das momices belicosas de uma turba antagonista, replicaram com uma fusilaria que pôs a multidão presa do pânico em debandada. Perseguiram-nos, não lhes dando quartel, e em quatro ou cinco credos, era então costume medir-se o tempo de duração de um combate ou de algum incidente notável pelo número de credos rezados nesse período, desbarataram as tropas estacionadas às portas da cidade, matando a tiro o mandarim em questão, o qual vestia uma antiquada couraça de veludo cor de púrpura, guarnecida de pregos dourados, que, conforme se verificou depois, pertencera ao infeliz Pires. Depois de efectuada a libertação a cidade foi saqueada e incendiada. À chegada a Liampó, Faria propôs que passassem o Inverno noutro lugar, receoso de que em consequência dos acontecimentos de Nou-day, a sua presença pudesse pôr em perigo a colónia. Foi tranquilizado com a afirmação de que até poderia ter queimado Cantão sem risco, tal a confusão que ia então na China. Em comemoração da vitória sobre Coja Acém, foi brindada a Faria uma recepção triunfal, em Liampó, durante a qual foi aclamado como um príncipe.
Em seguida, instigado por um flibusteiro chinês, começou a pilhar os templos imperiais perto de Nanquim, que se supunha conterem fabulosos tesouros, e, no regresso, Faria afogou-se no rio e Mendes foi, entre outros, feito prisioneiro. Depois de uma longa descrição, na qual dá largas à sua notória tendência para falsear a verdade, Mendes Pinto relata que nesse mesmo ano, 1542, o vice-rei de Chequiang ordenou a destruição de Liampó, apenas porque uma aldeia ali perto fora assaltada, por instigação de Lançarote Pereira, em represália pelas perdas ocasionadas aos comerciantes chineses que haviam tido necessidade de fugir com os seus bens.
Para Gaspar da Cruz, no entanto, só seis anos mais tarde, em 1548, uma frota imperial foi especialmente equipada, em Foquien, para correr com os piratas de Liampó. Segundo o relato de Mendes Pinto, em cinco horas, uma força de sessenta mil homens e mais de trezentas embarcações reduziu Liampó a um monte de ruínas, uma catástrofe que custou as vidas de doze mil cristãos, dos quais oitocentos portugueses, que morreram nas chamas, a bordo de trinta e cinco navios e quarenta e dois juncos, perda que foi avaliada em dois milhões e meio de cruzados de ouro». In Carlos Montalto de Jesus, Historic Macao, 1926, Macau Histórico, 1ª edição em Português, 1990, Livros do Oriente, Fundação Oriente, ISBN 972-9418-01-2.

Cortesia da F. Oriente/JDACT